Bem aventurados os mansos, porque herdarão a terra


Ser manso não é ser passivo. Jesus, que certamente foi o mais manso que viveu entre nós, expulsou, à força, os vendilhões do templo. Ou seja, alguém manso sabe discernir a hora de fazer cessar a ofensa, de confrontar o erro, de denunciar o mal. Isto, o manso pode fazer, porque é seguro de si. Porque tem sua confiança em Deus. Claro que faz tudo isso pensando na glória de Deus, e não na honra própria. “O zelo da tua casa me consome”. Ele assim age porque se sente consumido por fazer a vontade de Deus, como se esta fosse “verdadeiramente comida e bebida”.

A mansidão nada tem a ver com uma característica psicológica daquelas pessoas que naturalmente expressam uma atitude mais tranqüila diante da vida, tanto em seus gestos como em seu jeito de falar, pois, as bem aventuranças, segundo Lloyd Jones, não se tratam de características meramente naturais, mas dons de Deus (que se expressam, obviamente, na natureza). Por isso, mansidão tem a ver com atitude, com ato de conversão diante de Deus. É desejável que todo o cristão apresente em si todas as bem aventuranças, e não somente aquelas que lhes são naturais.

Os mansos não reagem, necessariamente, na mesma proporção da ofensa recebida. Não é que não reagem. Reagem sim. Quando dizemos proporção, queremos dizer que não combate o mal com o mal. Mas é alguém que sabe receber o impacto da ofensa, que, em certo sentido, leva em si os pecados do mundo, fazendo completar o restante dos sofrimentos de Cristo. Mas joga todas as suas ansiedades sobre Deus, sobre o único capaz de levar e lavar os nossos pecados. É alguém que quer se sentir leve diante de Deus, e o fruto desta leveza está no fato de que também é alguém que tem abandonado os seus pecados pessoais.

Os antigos padres falavam em “tranqüilidade de coração”. O manso é alguém que alcançou tal estado pela união mística de sua alma com Cristo, por meio do Espírito Santo, por isso, consegue exibir tal característica divina. O desafio que o protestantismo lançou ao mundo é que tais características sejam buscadas e vividas no dia a dia de uma vida normal, e não na segurança do mosteiro. De qualquer modo, esta tranqüilidade deve ser buscada, pois somente ela nos levará a um estado de “aphateia” (outro termo utilizado pelos padres), não para nos deixar em um estado de insensibilidade, como talvez quisessem os estóicos, mas sim de “ausência de paixões” (paixão aqui entendida como “patologia”, doença da alma). Ou seja, nos aproximamos de Cristo também para sermos curados em todo o nosso ser.

Somente com mansidão conseguimos compreender e discernir o mundo e a situação na qual vivemos. Alguém freneticamente abalado não terá a tranqüilidade necessária para saber qual atitude tomar. E mesmo o manso, caso sinta-se em dúvida, saberá esperar no Senhor, e não tomar nenhuma atitude desesperada. O “agitado” agirá por precipitação. O manso sabe aguardar o momento certo, consultar a palavra de Deus, a multidão dos conselheiros sábios, a experiência comum, enfim, buscará utilizar o discernimento, pois tem aprendido que a categoria do ser é muito mais importante do que a do fazer e a do conquistar; e toda a riqueza da qual necessita também está dentro de si mesmo, qual seja, a comunhão com Deus. Fato é que, vivemos uma vida agitada, e, muitos não suportam a si mesmos. Por isso, muitos se entregam ao sono, para fugir de todos e de si mesmos.

O manso demonstra que tem fé e confiança em Deus. O desesperado corre o risco de se ver afundando nas águas. Quando nos desesperamos, talvez, estejamos demonstrando falta de confiança em Deus, e em seu caráter. É bom vigiar em relação a isto. Claro que há um desespero que nos leva de volta a Deus, como o desespero do filho pródigo; mas há, a meu ver, um momento de assentamento, em que, ainda que exteriormente estejamos desesperados, abalados, machucados, interiormente, ainda há um sentido de confiança e de fé mais preciosa do que o ouro corruptível.

Enfim. São os mansos que herdarão a terra. Quando vejo palestinos e israelenses usando de tanta violência por um pedaço de terra (sendo este caso, somente um exemplo), verifico o quão anticristã é a sociedade na qual vivemos. Somos animais extremamente bélicos, competitivos, agressivos; passamos como um rolo compreensor sobre o nosso próximo. Sequer nos indagamos que conseqüência terá nossa atitude para o equilíbrio do mundo. Somente os mansos herdam a terra, ou seja, a herança de uma vida frutífera e abundante em Deus. Toda a terra conquistada com a fraude, com a loucura de uma vida frenética, com a dissimulação, com a perda dos valores essenciais do amor e da família, terá por herança a dor, o cansaço, a noção de que se perdeu o essencial da existência humana. Oxalá, Deus nos livre desta maldição. Esta, como as demais, é uma daquelas características cristãs tão pouco praticadas, tão antimundanas, tão anticulturais. Na verdade, estas atitudes demandam toda uma revolução cultural da sociedade. Homens, como Gandhi e Luther King, fizeram grande diferença em aplicá-las, e, por isso, ainda que não sem dificuldades, seus descendentes herdaram um mundo um pouco melhor – mas que precisa se conquistado dia após dia, pois as forças do mal não cessam também de trabalhar.

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