Cristo e os puritanos. O dilema da sexualidade humana.

Por Domingos Pardal Braz











Guiada por seus tenebrosos complexos a Cristandade acabou por encarnar em si a parábola do fariseu e do publicano.

De um lado nos deparamos com o santo convencional, alguém sumamente temperante que não se excede no comer, não bebe, não fuma, não traja roupas curtas e sequer fala palavrões...

Sexo somente em doses homeopáticas e na posição missionária... nada de Kama sutra ou Marta Suplicy pois tudo isso é coisa do Diabo...

Nosso personagem não dança nem rí, gasta quase todo tempo tartamudeando orações e entoando salmos.

Aos olhos da Cristandade temos um perfeito santo...

Do outro nos deparamos com o pecador, o mundano, o perdido...

Ou seja aquele que se excede um pouco no comer, que as vezes se embreaga, que fuma, traja roupas provocantes e fala palavrões. As vezes nosso homem até blasfema...

Lê o Kama sutra... transa diariamente...

Dança, rí, graceja, etc

As vezes recita um Padre Nosso e uma Ave Maria... as vezes seque reza...

Aos olhos da Cristandade estamos diante de um perfeito ímpio, dum maldito, dum celerado...

Mas e aos olhos de Cristo?

Sim, pois o tribunal da Cristandade é um e o de Cristo é outro...

A Cristandade absolve e aplaude a um Pedro de Arbues, a um Pedro de Verona, a um João Calvino, a um George Bush e condena um Oscar Schindler ou a um chico Xavier...

Já o Padre Vieira dizia, e com toda propriedade: prefiro ser levado ao tribunal de Cristo que ao tribunal dos homens.

Sábias e elevadas palavras...

Talvez tivesse em mente estas palavras de Tereza de Avila: Não temo o juizo divino pois quem ira julgar-me morreu para me salvar...

Os homens, especialmente os santos convencionais não sabem o que é misericórdia...

Por isso glorificam o assassino Constantino porque foi batizado e ultrajam a grande alma de Juliano, que se fez pagão devido ao contra testemunho do povo Cristão...

Coloque-mo-nos pois como Maria diante desse Mestre divino e bebamos cada uma de suas palavras para que nossas almas sejam verdadeiramente purificadas.

Afaste-mo-nos das catedras arruinadas dos fariseus e lançe-mo-nos prostrados diante dos pés do Santo Nazareno...

Mas o que se sucede?

Eis que agora é reeditada a parabola do bom samaritano...

Pois ao sair da igreja, nosso piedoso homem se depara com alguém que passa fome e que lhe pede um pedaço de pão...

Diante do miserável que lhe pede o necessário para manter-se vivo que faz o nosso santo?

Ele que há pouco se vangloriara diante do altar quanto a sua vida temperante, quase ascetica sequer se digna a olhar para aquele que lhe pede um pouco do que lhe sobra... finge nada ter ouvido e passa ao largo.

Parece inusitado mas a experiência tem demonstrado inumeras vezes que ascetas, misticos e 'santos' não se compadecem... Torquemada, o mascilento Torquemada jamais se compadeceu; Calvino sequer permitiu que Servet recebese uma muda de roupa limpa...

Eles ouvem o gemido do pobre pedindo pão, água, roupa, remédio, carinho, etc e não sabem corresponder a tais apelos.

Ascetas e misticos raramente sabem amar!!!

Os fariseus e puritanos todos cheios de temperança não sabem servir ao próximo...

Jesus pediu misericórdia, mas eles teimam em oferecer-lhe sacrifícios...

Eles sabem repudiar a todos os prazeres sensoriais com que o próprio Deus quiz brindar as criaturas e a fugir de todos os excessos, mas não sabem acolher e auxiliar aos semelhantes...

Esforçam-se por adquirir e por conservar o acidental enquanto lhes falta o essêncial... assim lhes falta tudo...

Evitam contato com aqueles que não lhos imitam e encaram todos os mais como pecadores e perdidos.

Se arvoram em censores da comunidade e se dedicam a policiar os costumes alheios. Dizem representar a moral e os bons costumes e pleteiam a excomunhão para tantos quantos se recusam a viver de aparências...

Chegam a odiar aqueles que fazem o que eles creem não poder fazer e encaram a simples hipotese de que tais pessoas venham a se salvar como um desaforo.

O pobre lançado a sarjeta continua a clamar...

Eis que passa um 'publicano' saido dum bar ou duma boate, se compadece daquele irmão sofrido, retira-o da sarjeta, leva-o a um restaurante lhe paga um prato de sopa, vai a farmácia, compra um vidro de antibiótico... e por fim retira sua japona e entrega-a aquele farrapo humano, já recomposto e medicado...

O publicano que sequer entra nas igrejas soube se compadecer do Logos que habitava naquele infeliz e adorar corretamente a esse Logos... ele soube honrar aquele membro obscurecido e sujo do Senhor Jesus Cristo.

Pois o ouro, inda que mergulhado na lama não deixa de ser ouro...

O publicano soube ser sensivel, soube compadecer-se, soube amar, soube compreender o outro...

Ele que bebe, fuma, transa e as vezes até blasfema, soube fazer justamente aquilo que Jesus Cristo mandou: Tive fome e me destes de comer...

Tive sede e me destes de beber...

Nu me cobristes...

Enfermo me viestes servir...

O puritano, o asceta, o santo, o temperante, não soube faze-lo...

Fechou seu coração...

Não quiz obedecer a ordem de seu Senhor...

Diante de tão vivo contraste: do puritano que exclui e do publicano que ama - contraste que eu mesmo tive ocasião de testemunhar durante minha curta existência - parte da Cristandade (guiada por Cristo alias) tem sido levada a tecer a apologia do Pecador misericordioso em oposição a figura do Santo insensivel e cruel.

Certamente que devemos buscar todos a suma perfeição em Cristo e evitar todo tipo de pecados.

Entretanto melhor seria que tivessemos nossas faltas ou mazelas veniais associadas a um sincero amor pelo próximo do que não ter falta alguma e cogitar num tipo de perfeição indiferente para com ele, num tipo de perfeição isenta daquele amor fraterno predicado pelo Senhor Jesus Cristo.

Se temos de perder ou sacrificar algo, percamos e sacrifiquemos a temperança, a exemplo do publicano, mas em hipótese alguma o amor ou a misericóridia ou ainda a justiça, ou seja aquelas virtudes supeiores que constituem o eixo de toda lei eterna.

Pois se ignorarmos tais virtudes nos colocaremos em estado de morte espiritual. Todavia se soubermos cultiva-las com o auxilio da graça divina, Cristo saberá ignorar as nossas faltas e inclinações sensoriais que não são para a morte.

Ou imaginais que aquele que é indiferente as necessidades do irmão não comete pecado que é para a morte, pecado grave, pecado pesado, pecado que o priva da graça do Senhor?

Melhor pecar levemente contra si do que gravemente contra o Logos que esta no semelhante. Porque ultrajar esse logos é ultrajar a obra do Espírito Santo, o mistério da Encarnação.

Não desejo que alguém venha a concluir que estou tecendo uma apologia a intemperança ou aos pecados relativos aos apetites sensoriais.

Não, não estou.

Reconheço que são faltas e defeitos a seres combatidos, corrigidos e extirpados para que em todo homem a imagem do Cristo resplandeça plenamente.

O que não posso admitir e que tais pecados constituam os pecados supremos da humanidade e os mais graves por assim dizer como tem insinuado a pseudo Cristandade.

Antes estou persuadido que tais pecados sequer conduzam a morte, porquanto não atingem ao próximo e não lhe causam dano.

Minha concepção de pecado grave ou mortal é a do Decalogo e a do Evangelho: o ódio, o assassinio, a inveja, o roubo, a traição, a mentira, a ingratidão, etc a indiferença para com as necessidades alheias...

Ao inverter o esquema Cristandade inverteu a lei divina e virou de ponta a cabeça o edificio da moral Cristã renovando os erros do farisaismo sob o título de puritanismo.

Insistiu no acidental e inferior olvidando por completo o essencial ou superior; por isso não pode edificar o Reino de Deus no meio de nós...



II - CRISTO


Do ponto de vista da Cristandade puritana Cristo patrocinou uma série de vícios e imoralidades.

Começou por andar em más companhias.

Ao contrário dos 'santitos' da Cristandade ele não se isolou, fugindo dos pecadores e párias... antes se associou a eles e compareceu a diversos festins promovidos pelos coletores de impostos.

O nome de Jesus corria por aquelas bocas farisaicas como sinônimo de desordeiro, de anarquista, de inconveniente, de desavergonhado, etc

Possivelmente acusavam-no de beber vinho, senão de embreagar-se; de rir, de dançar, de ter caso com alguma prostituta... diversas passagens dos Evangelhos dão-nos a entender que era exatamente esta a imagem que os piedosos e temperantes fariseus faziam de Jesus.

Entretanto quando atiraram Magdalena a seus pés para que fosse lapidada ele pode escrever os nomes de cada um de seus acusadores e os nomes das prostitutas com que haviam pecado, não por luxuria, mas certamente por cumulo de hipocrisia, pois afetavam uma santidade falsa, que não possuiam...

Condenavam os pecadilhos e faltas dos verdadeiros servos de Deus, enquanto as ocultas violavam cada preceito moral do Decalogo e assim tem se sucedido até os dias de hoje...

Quantos pregadores homofóbicos dos EUA já não foram flagrados saindo com garotos? Quantos apóstolos da abstinência não foram pilhados embebedando-se? Quantos apóstolos da indissolubilidade não foram filmados ao lado duma prostituta?

E quais os frutos de toda essa manobra senão ateismo, materialismo e incredulidade...

Quem lhos promove e alimenta senão os apóstolos do puritanismo?

A Cristandade maniquéia condena o uso do vinho...

Como se fosse uma criação de Satan.

Cristo nosso mestre transforma água em vinho...

Quando - segundo a lógica puritana - deveria ter transformado o vinho em água...

Fez um milagre ao contrário...

Mais ainda, instituindo a eucaristia determinou que esse elemento do vinho - desprezado pelos puritanos - fosse veículo de seu sangue divino...

Não escolheu o suco da uva, como afirmam os mentirosos, mas verdadeiro vinho conforme esta escrito no texto sagrado (grego) e lho fabricavam os hebreus de seu tempo...

Paulo por sua vez - embora condene a embreaguez - escreve a seu filho espiritual Timóteo dizendo que não tivesse escrupulos em se servir dele. Porque os maniqueus ja haviam iniciado sua obra, proscrevendo já o vinho, já a carne, já o banho, etc e dogmatizando sobre jejuns, abstinências, etc

Cristãos há que canonizaram o vegetarianismo enquanto o Senhor do mundo se servia de cabrito e peixe, Tiago proibia apenas o sangue e Paulo as carnes imoladas aos idolos... mas há quem cuide ser superior a Paulo, a Tiago e Jesus...

Efetivamente os puritanos não conhecem limites...

Tudo quanto Jesus e seus apóstolos permitiram eles condenam...

Ora ortodoxos e romanos condenam o sexo como pecaminoso e glorificam erroneamente a instituição divina do celibato; ora os pentecostais denunciam o consumo de vinho como pecaminoso; ora os neopentecostais julgam poder expelir o espírito Diabetes a força de jejuns; ora a IPDA anatematiza o uso de roupas vermelhas; ora os adventistas condenam o uso de carne e decretam a abstinencia... que feira, que mercado, que ruina, que abominação monstruosa...

Como esses homenzinhos ousam ultrapassar ao Senhor Jesus Cristo afirmando dogmas esdruxulos que ele jamais revelou?

Pois o Jesus dos Evangelhos confabulava com os ímpios, fabricava vinho, consumia carne e jamais jejuava...

Escandaloso por demais não?

Que nada... nem chegamos ao escandalo...

Para nos certificarmos do quanto Jesus era liberal em matéria de costumes temos de examinar como ele se posicionou diante de dois grupos excluidos e marginalizados pela sociedade farisaica: as prostitutas e dos homossexuais...

Examinando de perto qual a postura de Jesus para com os elementos pertencentes a tais grupos teremos um subsidio com que marcar nossa posição.

Nossa posição refletira a de nosso supremo modelo: Jesus...

Não atenderemos a outra voz mas a do Pastor divino...

Não ouviremos os Calvinos, macIntires, Bentos dezesseis, Malafais, etc Mas apenas e tão somente ao Mestre amado e guia supremo de todos os mortais.



A - CRISTO ACOLHE AS PROSTITUTAS.


A Torá dos judeus em Dt 22,21 determina que as prostitutas fossem mortas por apedrejamento.

Os hebreus enquanto possuiram autonomia política - da qual jamais foram merecedores - punham em prática tal preceito e assim imolaram milhares dessas criaturas infelizes.

Afortunadamente o Império romano veio a dominar esse povo bárbaro e a proibir que puzessem em prática suas leis aterrorizantes.

Consequentemente, tendo sido assegurada a imunidade das prostitutas, a prostituição floresceu também em Israel. Entretanto os hebreus religiosos e fanáticos proibiam seus filhos de sequer olhar para uma delas...

Alguns fariseus velavam os olhos com um lenço quando se viam obrigados a passar por uma rua ou um caminho ocupado por elas...

Falar com elas era considerado escandaloso e toca-las um pecado que segundo os tanains exigia purificação legal...

Deveriamos imaginar pois, que Jesus, como bom judeu, acatou todos esses dispositivos -posteriormente reeditados ou ao menos aconselhados por nossos puritanos - entretanto tal não se verifica...

Jesus não evita as prostitutas, acolhe-as. Talvez até as procura-se merecendo por isso a alcunha de filho da prostituição...

As prostitutas vem até ele e ele as recebe de braços abertos, pois sabe que tipo de vida elas levam, sabe que toda mulher deseja um amor, um lar, filhos... sabe que foram obrigadas a abraçar tal gênero de vida, sabe que não puderam escolher livremente ser aquilo que são, sabe que sofrem, sabe que choram, que suspiram... sabe que o prazer dos sentidos acaba martirizando a alma... sabe que são exploradas... sabe que são denunciadas pelos hipócritas que lhas procuram... sabem que não podem se aproximar de seus próprios filhos... Jesus tudo sabe, tudo vê, tudo sente e compreende...

Por isso as escuta, as atende, as conforta... e lhes promete seu reino.

Por isso que os rabinos disseram: "Nazareno rei das prostitutas e publicanos."

Porque faz de publicanos proclamadores de seu reino e das meretrizes suas cidadãs...

Não, Jesus não oferece os primeiros lugares de seu Reino glorioso aos pontifices, escribas, doutores, teologos, misticos, ascetas, temperantes, etc mas as prostitutas que rolavam de mão em mão...

O paraiso é ocupado antes pela Magdalena, pela samaritana, pela outra Maria, etc

Diante de tal afirmação a Cristandade, como os fariseus, escadalizada de seu fundador - ai de quem se escandalizar de mim dissera ele - e herdeira da tradição farisaica, ousou adicionar a suas palavras divina, a particula 'convertidas'...

Não há pastor ou padre hipócrita que não se refira a essas prostitutas, como ex prostitutas convertidas.

Engraçado, por mais que procure não me deparo com o tal ex ou o tal convertidas nos originais do Evangelho...

Porque então deveria receber tais particulas?

Para lizongear a metalidade farisaico/puritana certamente...

Como os líderes religiosos haveriam de entrar no Reino depois dessas criaturas despresiveis? Supremo disparate...

Jesus todavia tem a resposta na ponta da lingua: O cismático samaritano soube acolher ao próximo e servi-lo... a prostituta sabe compadecer-se do faminto e alimenta-lo ou do enfermo e servi-lo... (e se nada tivesse a dar-lhe além do calor de seu corpo - afirma o grande Tolstói - Jesus a recompesaria por sua caridade 'pecaminosa' ) Um 'sodomita' como o recém falecido Clodovil soube amar, honrar e assitir a sua velha mãe como poucos de nossos guias e líderes espirituais...

Nossos rabinos, xeques, bonzos, sacerdotes e pastores, passam a largo e se recusam a ouvir os clamores do pobre, do aperário, do faminto, do sem teto, do enfermo, etc enquanto os excluidos, os párias, os malditos, os rebotalhos desta sociedade puritana sabem acolher e servir...

Ah Cristo como eras infinitamente sábio! Como tua grandeza nos avassala e seduz!

Pois como ninguém conheces o coração do homem e seus segredos!

Tu conheces o amor que arde no coração da prostituta... a misericordia que habita na alma do sodomita... a justiça que mora no espirito do infiel...

Bem como o orgulho, a vaidade, a arrogancia, daqueles temperantes todos, daqueles místicos, daqueles 'santos' que ainda não aprenderam a amar...

Assim acolhes ao pecador que ama e regeitas ao justo que não ama.

Assim recebes ao viciado que prática o bem e reprovas ao adorador que odeia.

Por isso dizeis em alto e bom som: as prostitutas entrarão primeiro do que vós no meu reino.

Não as prostitutas convertidas por calculo como as da corte de Luis XIV, mas as prostitutas que mesmo levando tal tipo de vida até o fim jamais puderam ama-la... as prostitutas que tantas e tantas vezes souberam praticar ocultamente aquilo que tu ordenastes levando conforto, pão e luz a quem precisava...

Bendito sejais divino Nazareno, que coroais a prostituta solidária para com o gênero humano e que precipitais no fogo da geena ao missionário alienado e incenssivel...

Que abraçais as Dorotéias (cf Mika Waltari 'João o peregrino' cap I) e fustigais os Calvinos e Pios quintos...

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