Ditadores são os melhores amigos dos cristãos do Médio Oriente

Fonte: DN OPINIÃO

Sempre que leio a notícia de mais um massacre de cristãos do Médio Oriente, como a dos 21 coptas egípcios degolados numa praia da Líbia, recordo-me de um restaurante em Bagdad, em janeiro de 2003, onde uma das paredes tinha uma imagem de Maria com o menino, outra uma foto de Saddam Hussein. Mentiria se dissesse que os donos cristãos do restaurante Al Awael se sentiam seguros, mas pelo menos tinham os mesmos medos que os iraquianos muçulmanos, quase todos os clientes: o medo da Mukhabarat, a polícia política, o medo de uma das raparigas da família despertar o interesse de Udai, o filho do ditador, e o medo, por aqueles dias, de as bombas americanas voltarem.

Dois meses depois, a América invadiu o país e a vida mudou para todos os iraquianos. Para os cristãos do Iraque imenso. Deixaram de ter a proteção do ditador, aqui e além começou a aparecer um padre assassinado, como o arcebispo de Mossul, depois em 2010 aconteceu o massacre da Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, com meia centena de mortos. Um grupo islamita interrompeu a missa aos tiros e fez explodir as cargas presas aos corpos. Era um aviso, com provável assinatura da Al-Qaeda no Iraque, para os cristãos partirem. Na época, o bispo de Bagdad, Ignatius Metok, dizia à BBC: "A Igreja é contra a emigração. Temos de ficar, seja quais forem os sacrifícios, para salvar a nossa fé. Mas as pessoas são humanas e não podemos impedi-las de partir."

Restavam apenas 600 mil cristãos no Iraque, eram um milhão antes da guerra. Hoje, quantos são ninguém sabe, mas o êxodo prossegue, sobretudo depois da ofensiva do Estado Islâmico, que assim que tomou Mossul, no verão, terá pintado nas portas a letra N (de Nazareno) a identificar que ali viviam cristãos. Raros foram os que ficaram. E os campos de refugiados na Turquia e na Jordânia não param de acolher gente, a ponto de no Natal o Papa ter telefonado a um cristão a consolá-lo.

Oito milhões no Egito, 1,5 milhões no Líbano, 850 mil na Síria (antes da rebelião contra Bashar Al-Assad), 600 mil no Iraque, 350 mil na Jordânia, 150 mil em Israel, 135 mil no Irão, 80 mil na Turquia, 60 mil nos Territórios Palestinianos. Os cristãos são hoje uma minoria ínfima, mesmo que façam há dois milénios parte do Médio Oriente e ainda há poucos anos alguns se destacassem, como Michel Aflaq, o sírio pai do panarabismo, Hannan Ashrawi, a diplomata palestiniana, Boutros-Ghali, o egípcio secretário-geral da ONU, ou Tareq Aziz, ministro dos Negócios Estrangeiros iraquiano.

Para compreender a sua história vale a pena ler Chrétiens D"Orient en Terres D"Islam, de Claude Lorieux. Quase um clássico, mas revelador da autenticidade destes cristãos, uns fiéis a Roma, outros de tradição ortodoxa.

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