A voz do que clama no deserto
voz
do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas
veredas (Marcos 1.3).
João Batista era filho do
sacerdote Zacarias e de Isabel (Lucas 1.5 em diante). Isabel era filha de Arão
(Lc 1.5). Significa que João deveria ter sido sacerdote também. Ele era da
tribo de Levi e da família de Arão.
Mas por algum motivo, ele não
estava no templo, onde deveria ser o seu lugar de atuação. Ele está no deserto.
Interessante notar que no tempo
do ministério de João Batista, Anás e Caifás eram os sumo-sacerdotes. Estranha esta
ideia de que havia dois sumo sacerdotes, afinal, pela lei só deveria haver um.
Isso parece significar que o
sistema religioso de Israel estava bastante corrompido. E no modo como vemos
João Batista, e mesmo Jesus tratando os fariseus, a outra conclusão não podemos
chegar: os líderes religiosos de Israel lesionavam o povo e adulteravam a lei.
Neste quadro, João Batista não
poderia mesmo ser sacerdote, e outra alternativa não teve senão que “clamar do
deserto”.
É como se a voz de Deus não
pudesse mais soar de dentro do sistema religioso de Israel, de dentro do
templo, e tivesse que ir ao deserto.
Lembro-me de um fato da
história de John Wesley. Houve um momento na vida dele que foi proibido de
pregar nas paróquias anglicanas. Ele foi até o cemitério, subiu em cima do
túmulo de seu pai, e disse a si mesmo: daqui, pelo menos, hão de me respeitar. E
começou a pregar dali.
Fato é que centenas de pessoas
iam ouvir, no cemitério, as pregações de Wesley.
Creio que algo muito parecido
ocorria no caso de João Batista.
As multidões deixavam o sistema
religioso de Israel e iam ouvir a voz de Deus no deserto.
Não que João pregasse contra o
Templo, ou contra o sacrifício, ou contra a religião em si, mas sim contra a
postura dos que deveriam ser exemplo para todos.
Há um exemplo muito parecido
com isso quando João escreve em sua revelação a carta para a igreja em
Laodicéia. Curiosamente, embora o culto estivesse ocorrendo normalmente, temos
a imagem de um Cristo que batia na porta pelo lado de fora, querendo entrar no
coração de alguns (Apoc 3.20).
Parece que há momentos em que o
sistema religioso fica tão corrompido que Deus se “retira para o deserto”. Parece
que muitas vezes Deus não fala mais dentro do templo, mas sim de fora.
Deus nunca gostou de religião
vazia. Por intermédio da boca do profeta Isaías chegou a dizer que não ouvia as
orações que se fazia no templo (no sentido de não as atender) e que até sofria
por causa do culto que supostamente lhe era prestado (Isaías 1.14-15).
Imaginem Deus sofrendo por
causa de um culto!
Nossa vida precisa ter a
essência de Deus. Precisamos buscar o Senhor por aquilo que Deus é. Um ritual
vazio pode até ser ofensivo à majestade divina. Talvez vivamos tempos em que
não se possa creditar toda voz dita de dentro do templo como “a voz de Deus”. Talvez precisemos buscar a voz do que clama no deserto.
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