Um excepcional tio chamado Bubi!

Um tributo à memória de meu tio Bubi, que tinha Síndrome de Dawn


Eu sou um privilegiado! Sim, eu tive o privilégio de ter tido um tio excepcional! Excepcional em todos os sentidos. Excepcional por ter nascido com Síndrome de Dawn e por ter sido quem ele foi para todos que, como eu, tiveram o privilégio de conviver com ele.

Beni Swartele Neto era o seu nome. Mas todos o chamavam de Bubi. Bubi! Que apelido lindo! Bubi teve uma infância sofrida. Vovô era alcoólatra, de modo que, vovó, minha mãe, Bubi e meus outros amados tios padeceram um bocado. Mas o Bubi não guardava rancor. Ele amava o vovô! Ele não perdeu a fé e nem a alegria. Suas frases revelavam um coração esperançoso. Suas ambições não eram grandes. Poucas coisas eram suficientes para fazê-lo feliz! “Sê Leva eu”, dizia ele, por exemplo, pedindo para passear de carro. Gostava de cortar o cabelo e até mesmo de ir ao médico.

Mas o que o Bubi gostava mesmo era de ir a igreja! Não perdia um culto! Ninguém precisava dizer a ele que era domingo, pois ele conhecia bem os dias da semana e aguardava sempre com ansiedade o dia de domingo. E lá estava ele de terno e sempre no horário para assistir a Escola Dominical e o culto vespertino. Ele não deixava escapar uma oportunidade de orar em voz alta, geralmente no final do culto, após a Bênção Apostólica. Era como se ele quisesse nos abençoar também! Ele não queria apenas assistir, ele queria participar! Houve uma ocasião em que alguém da igreja ficou incomodado com as orações do Bubi e foi até ao Pr. José Alves, que pastoreava a igreja naquela época, para pedir que ele, como pastor, tomasse providências para evitar aquilo que considerava ser uma situação inconveniente e constrangedora. O pastor com amor respondeu: “Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais, foi o que disse Jesus”. Sim, o Bubi fazia e ainda faz parte deste grande time dos pequeninos de Jesus!

Como o Bubi faz falta! Como eu amei o Bubi! Como aprendi com ele! Aprendi, entre outras coisas, o significado maior da alegria de Jesus quando exclamou: “Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos.” (Mateus 11:25). E também daquela frase de Paulo: “Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são” (1 Coríntios 1:28).

Que privilégio ter tido o Bubi como tio! Que privilégio ter convivido com ele durante tantos e tantos anos! Ele veio morar em casa quando eu tinha apenas 6 anos de idade. Ele trouxe alegria para o nosso lar. Eu e os meus irmãos brincávamos com ele. O Bubi sempre foi uma criança! Ele sempre foi uma pessoa meiga e cativante. Todos gostavam muito dele. O Bubi foi um grande presente de Deus para mim e para toda minha família. Eu não tinha vergonha dele, não. Eu tinha era orgulho dele! O Bubi de uma maneira toda excepcional foi um herói da fé e merece estar contado entre aqueles valentes da Galeria de Hebreus 11: “Homens dos quais o mundo não era digno” (Hb 11.38).

Como o Apóstolo Paulo, ele também combateu o bom combate, completou sua carreira e guardou a fé. Aliás, sua carreira foi longa para alguém com sua enfermidade. Quis o bom Deus que ele vivesse entre nós durante 65 anos e, então, partisse para estar com o Senhor para sempre. Um tio chamado Bubi, que tornou a minha vida muito especial! Ele não "passou a vida à toa, à toa". Valeu Bubi! Sua vida não foi em vão! Você tem um tesouro no céu!

Sabe, houve um dia em que o Bubi desapareceu. Ninguém tinha visto ele sair. Ele desceu a rua de casa e foi até a avenida Cupecê, onde pegou um ônibus para passear pela cidade. Foi aquele desespero. Passamos o dia e a noite procurando por ele e nem sinal do Bubi. "Será que tornaríamos a vê-lo novamente? Onde e como estaria ele? Estaria com fome ou passando frio? Teria acontecido alguma coisa de ruim com ele?" Que dor no coração! Mas, como disse Jesus a respeito dos pequeninos: “Vede, não desprezeis a qualquer destes pequeninos; porque eu vos afirmo que os seus anjos nos céus vêem incessantemente a face de meu Pai celeste.” (Mateus 18:10).

Foi, então, que um motorista de táxi encontrou o Bubi perdido, dormindo solitário num banco de uma praça no bairro de São Mateus. O Bubi não sabia dizer o endereço de casa, mas mesmo assim, o motorista o coloca em seu táxi e passa a percorrer as ruas do bairro de São Mateus na esperança de que o Bubi pudesse reconhecer a rua de casa. Rodou, Rodou e nada, até que o Bubi falou algo sobre sua igreja em Cidade Ademar. “Cidade Ademar?” Pensou o motorista. “Seria isto possível?” Cidade Ademar fica distante à beça de São Mateus, cerca de 50 km. Trata-se também de um bairro muito grande. “Quantas igrejas devem existir em Cidade Ademar?” A despeito de todas estas dificuldades, lá foi ele, impulsionado por Deus, com o Bubi para o distante bairro de Cidade Ademar. Que incrível! Como o Bubi também havia falado no nome da minha mãe, Frieda, lá estava o motorista numa incansável busca, parando em todas as igrejas e perguntando para os vizinhos se alguém, por acaso, conhecia o Bubi ou a Frieda, até que, enfim, depois de tanto procurar, ele encontrou uma mulher que morava longe de casa, no outro extremo do bairro, mas que conhecia minha mãe.

Que alívio e que alegria quando o Bubi chegou em casa! Aquele anjo o havia conduzido de volta até nós! Agora, o Bubi resolveu partir novamente. E, desta vez, ele foi para mais longe! Pensando naquele seu sumiço, não saberia dizer com detalhes como foi que o Bubi se virou longe de casa naquela noite escura de São Paulo, mas tenho certeza de que ele não estava só!

Estou escrevendo estas linhas durante a primeira noite que o Bubi passa longe de sua morada terrestre. Eu ainda continuo com a mesma convicção de que ele não está sozinho. Tem alguém cuidando muito bem dele agora! Estou lembrando das palavras do Salmo: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque Tu estás comigo!”Bubi, como foi dura aquela noite que você passou distante de casa. Todos percebemos ainda melhor como você era importante e como você fazia falta. E como foi bom te encontrar de novo! Agora fomos separados mais uma vez. Mas um dia chegará também a minha hora de partir. Espero que Deus também envie um anjo para me guiar para o lar eterno, onde almejo muito te encontrar de novo. Ali, compreenderei bem melhor o mistério e a grandeza da sua existência. Com amor e muitas saudades, Dinho.

São Paulo, 17 de outubro de 2003

José Ildo Swartele de Mello
Bispo da Igreja Metodista Livre

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