Anjos e demônios.

Meu bom amigo, Dr Seino acaba de postar um excelente artigo sobre demonologia, e, com sua permissão e benção, aproveitarei a oportunidade para jogar mais areia ainda no ventilador...

Posso até sentir o cheiro de "la carne de hoguera"... e preparado estou para ser conduzido ao 'quemadero' pelos zelosos defensores da ortodoxia latina, pois também os latinos - protestantes e romanos - possuem sua ortodoxia, e essa ortodoxia comporta a existência de seres maléficos chamados demônios, diabos, satanazes, belzebuzes, etc os quais em tempos passados divertiam-se entrando e saindo dos corpos mortais. Também na ortodoxia grega, tal crença conseguiu firmar-se e avança dia após dia.

Ainda na semana passada estava debantendo essa questão com três amigos meus, todos protestantes, mas de organizações religiosas diferentes...

Para ambos a existência do demônio ou Diabo equivale a um dogma e artigo de fé, tão essencial a revelação divina quanto a existência de Deus ou a encarnação de Cristo...

Embora eu mesmo já tenha pensado dessa forma e encarado como hereges e perdidos os que pensavam de moso diverso, não pude deixar de sentir um frio arrepio percorrer a espinha...

Retruquei dizendo a meus queridos amigos que uma religião deste talhe bem poderia ser definida como demoníaca... se encara a existência do Diabo como essêncial...

Também não creio na existência de anjos... para mim entre anjos de pé ou anjos caidos não há muita diferença...

Devo de início recitar o 'mea culpa' e fazer penitência: não, não creio em anjos, ao menos da maneira como a Cristandade convencional lhos apresenta. E não me sinto nem um pouco culpado...

Tenho o Cristo, conheço sua mãe, seus apóstolos, os mártires e padres, a mãe igreja. Basta-me.

Não sinto falta dos tais anjos...

Os primitivos hebreus nada sabiam sobre anjos e os saduceus - que aceitavam apenas e tão somente o pentateuco sob as ressenções mais antigas do javismo e eloismo - foram os derradeiros guardiães dessa tradição vetusta...

Os anjos tal e qual lhos conhecemos só foram conhecidos pelos hebreus e admitidos em seu credo durante o domínio persa. Originalmente tais criaturas pertencem ao zoroastrismo ou mazdeismo, não ao mosaismo e menos ainda ao Cristianismo.

A primeira menção categorica a tais seres pertence ao livro de Daniel, pseudo epigrafe composto no século II a C ou seja tres ou quatro séculos após o domínio persa. O Livro de Tobiel que é da mesma época também menciona um certo anjo Rafil cultuado até hoje em nossas igrejas...

Tudo resíduo pagão...

São pois como ostras apegadas a uma rocha...

Eu particularmente nada tenho contra o paganismo em si mesmo, logo, não é por isso que regeito a afirmação tradicional dos anjos...

Meus motivos são bem outros e de ordem filosófica por assim dizer.

Ao predicarem os tais anjos tanto a Cristandade e o Isla, quanto o judaismo, na esteira do mazdeismo, afirmam que tais seres foram FEITOS JÁ EM PLENA POSSE DE SUA PERFEIÇÃO.

Quero dizer que segundo essas tradições os tais anjos não conquistaram o posto de anjos, não progrediram, não evoluiram, não se aperfeiçoaram, como todos os demais seres, exceto Deus, evidentemente. Foram magicamente criados enquanto pessoas em estado de beatitude...

Para mim tal criação ou produção magica de seres absolutamente perfeitos em posse duma recompensa que não mereceram parece-me absurda.

Creio que apenas um ser no universo jamais evoluiu, progrediu ou aperfeiçoou-se: Deus... Deus sempre esteve em plena posse de todos os bens e jamais lhe faltou qualquer coisa...

Que outros seres tenham vindo a luz prontos e acabados, não o posso crer...

Não nego pois a existência dos anjos de modo absoluto, mas apenas e tão somente o modo pelo qual vieram a existir: criação ex nihil em estado final de beatitude...

Alguns cristãos confusos teem chegado a afirmar que deus teria criado tais seres para lhe fazer companhia ou, o que é pior, para lhe servirem de fâmulos ou cortezãos, o que vem a ser o mesmo que escravos, empregados, servos...

Tal afirmação só pode partir duma concepção antropomorfica e assaz grosseira da divindade, idealizada como um xeque oriental... Os anjos neste caso seriam a corte ou o exercito de deus.

Em alguns Salmos - que podem ter sido produzidos no tempo dos macabeus - a divindade é apresentada a cavalgar um anjo... como o continente deve ser maior ou mais extenso que o conteúdo...

Tudo isto me parece bastante sombrio pois deus e descrito como se fosse um ser corpóreo e limitado (envia anjos como espias, carteiros, etc) e não como aquele Ser infinito e imaterial que de fato é.

Grosso modo Deus, o Pai das luzes revelado por Cristo, puro espírito perfeitíssimo, eterno e infinito, não precisa de cortezões para bajula-lo, de informantes, meirinhos, carteiros, soldados, tudo isto me parece bastante folclórico e se bem pesado um sutil desmentido a onipotência, a onisciência e a onipresença divinas... Os anjos são enviados para onde deus não está, para se informarem sobre o que ele ignora e enfim para lutarem por ele...

Sumamente grotesco...

Descritos dessa forma os anjos só serviram mesmo para enfatizar a falsa concepção do antropomorfismo ou de um deus limitado, interesseiro, egoista, escravocrata, guerreiro...

É necessário por de lado todas as antigas estórias sobre anjos...

Não dúvido entretanto que por ocasião de seu advento Deus tenha de fato enviado um ser ou espírito elevado chamado Gabril com o objetivo de visitar a Santa e imaculada Virgem e deslindar o mistério da encarnação.

O que não creio é que o tal Gabril tivesse sido criado em tais condições de beatitude ou que tenha sido concebido para morar numa espécie de palácio celeste e abanar o divino flabelo junto ao trono divino.

Não creio nem em palácios, nem em tribunais, nem em tronos, nem em livros, nem em flabelos divinos... Não concebo o imaterial como material. Deus é espírito, espírito infinito e isento de matéria disse Jesus, espírito difuso pelo universo e que se estende para além do universo...

Não imagino Deus em qualquer local, na eternidade ou no universo, não imagino um deus limitado e contido, antes imagino que a eternidade e o universo é que nele estão e que ele é o lugar de tudo... O incontido, o infinito...

Certo rabino disse: "O santo e bendito Deus cria e fulmina mundos." e uma Shastra indiana afirma: "O ser possui trilhões de universos na ponta de seu dedo menor."

Visões imperfeitas, mas, muito mais claras que as da Cristandade nominal sobre a natureza divina...

Julgo pois que os anjos foram seres que noutros mundos e universos, evoluiram como nós, a partir de formas inferiores e vida, até obter a perfeição gradativamente... Creio que os anjos foram seres que se desenvolveram e evoluiram em outros universos e mundos nos quais não houve emergência de maldade ou pecado... Creio que habitam esses mundos, mundos que ao contrário do nosso se mantiveram em plena comunhão com o artífice infinito...

Esta é a minha opinião sobre os anjos. Não creio, como os espíritas que eles procedem deste mundo, não lhos confundo com os santos procedentes deste mundo...

Os anjos de fato possuem corpos materiais semelhantes aos nossos, e isto sempre foi ensinado pelos padres da Igreja. Não são seres isentos de corpo ou imateriais como afirmam os maniqueus e neoplatonizantes, mas seres corpóreos e visiveis, tal e qual Gabril quando se manifestou a Santa Virgem.

Creio nesses seres ou espíritos bons habitantes dos mundos superiores, chamai-os de anjos se quizerem... Seres que evoluiram lentamente em demanda da perfeição, guiados a principio por leis naturais e depois por leis divinas...

Quanto a anjos caidos ou apóstatas, nisto não creio de forma alguma.

O profo Russel Norman Champlinn em seus comentarios bíblicos (ed Milenium - 1979 - V vols )
afirma com toda razão que durante os três primeiros séculos os Cristãos acreditavam unanimemente QUE OS TAIS DEMÔNIOS OU DIABOS NADA MAIS ERAM QUE ESPÍRITOS DE PESSOAS MÁS, PROCEDENTES NÃO DO CÉU, MAS DESTE MUNDO. Tal o parecer de diversos padres como Justino e Tertuliano como tive ocasião de conferir pessoalmente.

O primeiro padre a dar crédito as fábulas judaicas de anjos caidos parece ter sido o grande Crisóstomo, desde então essa opinião não çessou de avançar até dominar por completo a teologia Cristã.

Até chegar ao cúmulo de afirmar que o espírito de Samuel, saido do Xeol para reprovar a Saul, era também ele um Diabo ou anjo caido, embora nem uma misera virgula no contexto se refira aos tais anjos ou demônios... Mas os homens se deixam obssecar por idéias e preconceitos...

O fato é que para os primeiros Cristãos em sua totalidade os diabos ou demônios outra coisa não eram que almas penadas ou personalidades falecidas provenientes deste mundo. Quanto a este particular os espiritas estão bem mais informados que a nossa Cristandade...

Sei que alguns protestantes eruditos sabem disto, entretanto, influenciados pela demonologia tradicional tão cara a seus proceres, geralmente se põe a caçoar dos santos padres tachando-os de supersticiosos... Logo os padres que explicavam a existência dos tais Diabos da forma mais natural possivel, identificando-os com entidades procedentes deste mundo ao invés de apelarem a fábulas de anjos que copularam com mulheres ou de batalhas celestiais, farta sementeira de seitas gnósticas...

Talvez essas estórias de demonios tenham sua origem em alguns fatos extraordinários causados pela ação de tais almas ou espíritos conforme os que são narrados nas coletâneas parapsicologicas ou espíritas... Embora seja infenso a interpretação espirita, e adepto da interpretação naturalistas quanto a todos os fenômenos não posso ser dogmático... Talvez algumas dessas almas ou espíritos tenham de fato tomado alguns corpos vivos dando origem as narrativas de possessão diabólica... apesar de meu ceticismo não posso ser dogmático quantoa isso. Talvez seja apenas um caso de interpretação equivoca quanto a fenômenos puramente naturais produzidos pela mente humana e ignorados por aqueles gerações atrasadas, é o mais plausivel.

Tal 'embróglio' é que acabou dando origem a demonologia atual...

Num posterior artigo tecerei algumas considerações sobre a tentação de Jesus...

Quanto as possessões e exorcismos narrados pelos evangelistas e sempre citados pelos demonofilos de plantão, já Hobbes no século XVII, lançou penetrantes luzes sobre a questão, argumentando que se tratavam de neuróticos, histéricos, epiléticos, enfim de problemáticos e doentes mentais, cujos padecimentos, a ralé ignorante atribuia a entidades sobrenaturais como sói fazer ainda hoje...

Como Jesus não veio a este mundo para ensinar psicologia ou medicina, sanou miraculosamente tais pessoas tendo em vista a divulgação da boa nova. Alias, alguns psicologos são da opinião que em certos casos entrar no imaginário da pessoa enferma e interagir com ela, assumindo o papel de exorcista, produz a cura.

Jesus curou pessoas que a cultura da época encarava como possessas e não pessoas que de fato estavam possessas, uma questão de interpretação. Ademais Jesus estava ciente de que os progressos ulteriores da ciência psicologica acabariam por dar cabo de tais superstições, como de fato haverão de fazer daqui há alguns séculos.

Como devemos encarar as alusões de Jesus ao Diabo?

Da mesma forma como encaramos suas alusões a Adão, Eva, Noé, Jonas e o peixe, etc como elementos simbólicos pertencentes a cultura judaica a que ele pertencia. As pessoas que viviam naquelas priscas eras acreditavam que tais vultos da estória hebraica haviam existido de fato e executado ações que se tornaram simbólicas e que representavam valores.

Nada mais natural que Jesus empregar tais nomes e simbolos para expressar os valores da boa nova e torna-los acessiveis aquelas pessoas. Jesus falou a linguagem delas, que elas eram capazes de compreender... para elas Noé e Jonas representavam valores reais, é esse conteúdo que Jesus emprega como nós empregamos os seres mitologicos da Grécia antiga para designar metaforicamente virtudes ou relações sociais.

Neste caso Jesus empregou o termo Diabo ou Demônio como representação do mal no mundo, mesmo porque ele nada mais é do que uma personificação ingenua do mal e do pecado.

Diante disso sou levado a afirmar que a crença na existência real de Demônios ou Diabos constitui uma verdadeira maldição para a Igreja de Cristo, a ponto de alguns terem-na concebido como um lugar de exorcismo ou uma tenda de milagres e de terem concluido que sem a existência do Diabo a existência da Igreja e certamente a existência de Cristo e de Deus se torna inutil.

Algo de muito grotesco está oculto sob tal afirmação.

Pois ela supõe que a Igreja e o ministério de Cristo existam em função do Diabo.

Em tal contexto Deus deixar de ser o único Ser necessário para que o Diabo torne-se necessário.

Deus existe para proteger-nos do Diabo, é pois como se ele fosse um anti-Diabo, e não como se o Diabo fosse um anti-Deus ou rival da Suprema Potência.

Em tais conjunturas o Demônio torna-se o centro de certas formas Cristãs e o exorcismo acaba por eclipsar até os atos de culto ou por fazer parte efetiva dele.

Sem Diabo não pode haver Cristianismo... tal afirmação implica em Cristo e sua instituição dependerem desse ser...

Tudo isto é demais para minha cabeça...

Por isso caro amigo não creio nos anjos, ao menos sob a forma tradicional e muito menos dos demônios.

Basta-me o Deus encarnado: Jesus Cristo, cujo triunfo sobre o mal e o pecado constitui o fundamento da minha fé.

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