Fé, graça e salvação...

Há séculos a Cristandade nominal vem tentado traçar um mapa do mundo espiritual e descrever as categorias daqueles que se salvam...

Dividiu a eternidade em duas zonas ou regiões as quais deu os nomes de céu e inferno e muito segura de sí, jamais cogitou como Gregório de Nazianzo ou os assim chamados 'padres do deserto' que tais palavras e figuras podem muito bem corresponder a estados internos da alma e não a 'locais' propriamente ditos.

Em seguida tratou de adequar abstratamente certas de categorias de pessoas a essas regiões.

Via de regra a pseudo Cristandade chegou a seguinte conclusão (parece incrivel mais chegou!):

Uma pessoa virtuosa que ignora o Cristo e não pode exercer fé na cruz: é um pecador fingido e seu destino (caso não venha a conhecer o Cristo e exercer fé na cruz) é o clássico inferno descrito por Dante: labaredas, enxofre, breu, vermes, diabos, etc

Já um ímpio que conhece teoricamente a Jesus e que evoca seu nome: é um redimido destinado ao seio de Abraão...

Aqueles que sem culpa ignoram o Cristo, mas que executam intuitivamente tudo quanto ele mandou arderão para sempre na grande churrasqueira divina, enquanto aqueles que tiveram conhecimento do Cristo para desobedecer suas leis e mandamentos obterão a vida eterna.

Há mais de um milênio a maior parte da Cristandade tem feio afirmações absurdamente monstruosas como estas, fomentando a justa revolta e a incredulidade.

É plenamente justa a revolta e a indignação dos não Cristãos diante de dogmas como estes.

Também eu, caso imaginasse que Cristo ensinou e disse tais barbaridades, abandonaria conscientemente o Cristianismo qual fosse uma carniça nauseabunda...

Entretanto nosso grandioso avatar jamais fez afirmações desse talhe, quem ousou faze-lo foram os pseudo cristãos, movidos por um zelo totalmente cego e não pelo amor ou pela misericórdia apregoados por ele...

Antes de tudo chegaram a confundir a fé com a graça, deduzindo que a graça só pode ser conquistada pela fé... e como ninguém pode salvar-se sem a graça...

Todos os pagãos - a começar pelos que viveram antes do advento do Senhor - foram condenados sem mais aos suplícios eternos, pelo grande crime de não terem sido informados sobre uma fé que ainda não fora anunciada ou revelada ou de não terem tido conhecimento de Cristo...

Bela doutrina...

Há pouco tempo ainda se alardeava a necessidade de se auxiliar as missões para que pudessem salvar os desgraçados pagãos das chamas eternas!!! As quais estavam destinados não por levarem uma vida degenerada, mas pelo simples fato de não terem ouvido falar de Cristo...

Jamais se levou a sério a possibilidade de algum desses pagãos ser tão ou mais virtuoso que um Cristão nominal: Não tendo fé, não estão na graça de Cristo e não estão na graça de Cristo não podem fazer o bem... Assim, sem fé, graça ou virtude estão condenados...

Nossos piedosos Cristãos jamais se deram ao trabalho de investigar como viviam esses pagãos aos quais atribuiam amiude toda a casta de vícios e abominações. (seria reflexo?) Teorizavam pura e simplesmente sobre os pecados alheios, partindo do princípio de que se os gentios não exerciam fé, não podiam estar em graça, logo...

Arquitetando equações como estas concluiam inequivocadamente pela condenação em bloco de todo a gentilidade...

Embora Jesus tenha vedado seus seguidores de julgar a quem quer que fosse, mas eles julgavam e condenavam a milhões de seres duma vez só, violando milhões vezes a palavra sagrada...

E ainda hoje julgam e condenam manifestando que seus corações são dominados pelo ódio e não pela caridade ou pela misericórdia... não chegam sequer a imperfeição da justiça humana...

Tal se sucede com os homens orgulhosos e mesquinhos que pretendem esgotar todos os mistérios do Reino dos céus...

Entrementes Fernão Mendes Pinto devassou as terras do extremo Oriente e fez uma contatação já empírica, já estarrecedora para a Cristandade nominal: que esses pagãos que ignoravam supinamente a existência de Cristo e o sacríficio da cruz eram via de regra mais sensiveis e benevolentes do que nossos antepassados...

Há pouco não pudemos testemunhar - durante o tsunami - como aquela gente pobre e miserável, torturada pela fome e pela sede, era capaz de dividir o pouco que possuiam não com conhecidos e amigos, mas com desconhecidos? Sim, pois os turistas europeus que lá estavam só puderam sobreviver graças a caridade heróica desses 'amaldiçoados pagãos'.

Diante de tais cenas que afirmaram os pastores em coro? Que o tsumani era um castigo de Deus (diante de palavras assim tão estúpidas senti-me transportado a Idade média) por ele provocado com o objetivo de castigar aos pérfidos gentios por sua obstinação em aceitar o evangelho. Sorte dos turistas sobreviventes que eles não aceitaram o Evangelho... do contrário teriam morrido todos de fome, afinal era só entesourar a água e a comida e depois ajoelhar atrás da porta pedindo perdão e clamando aquele sangue que apaga todos os pecados.

Afinal que fazem todos os canalhas, a exemplo de George Bush senão violar repetidamente o decalogo (nem ousarei citar o sermão da montanha depois que Obama afirmou que aquele que ousasse po-los em prática na 'terra de deus' acabaria sendo trancafiado num hospício) e depois clamar o sangue?

Mais adiante voltaremos a esse assunto.

O fato é que a experiência, superior a todo preconceito, tem demonstrado sobejamente o quanto os pagãos são capazes de superar os nossos Cristãos teóricos em matéria de piedade e de virtude... e contra fatos não há argumentos. Fé ainda menos salvo se cega como uma toupeira.

Pensais nobre leitor que a Cristandade curvou-se diante dos fatos e recitou 'mea culpa'?

Não sejamos ingenuos, o fanatismo jamais se curva mas rola de abismo em abismo...

Diante dos fatos só restou a Cristandade tornar seus julgamentos precipitados ainda mais rigorosos. Se antes os pagãos eram imaginados ou concebidos como degradados e corruptos os livrinhos de piedade (ou de impiedade?) passaram a apresenta-los como rematados hipócritas capazes de afetar uma piedade que não possuem com o objetivo de fazer os cristãos duvidarem da graça...

Da noite para o dia os pagãos passaram a ser considerados, em bloco, como um bando de fingidos...

A reforma em nada amenizou esta situação degradante, antes conseguiu agrava-las na medida em que identificou formalmente a fé com a graça e fez a posse desta depender daquela...

Admitida a teoria da salvação pela fé somente e já não resta nenhuma esperança aos pagãos...

Se a salvação pela fé somente franqueia as portas do paraíso a uma hoste inumerável de maus cristãos, fecha-as entretanto e da forma mais cerrada a todos os pagãos que ignoram a existência de cristo e o mistério da Cruz.

Debalde se apela ao apóstolo Paulo que em sua epistola aos romanos postulou para a gentilidade um juizo pautado apenas e tão somente na lei natural da consciência ou aquele trecho da carta aos hebreus referente ao juizo dos que não execeram fé...

Pois a teologia logo nos adverte de que este juizo terá em vista suavizar ou diminuir as punições e não conceder a salvação aqueles que não exerceram a fé...

Entretanto, somos informados pelo grande Justino - esse ponto de vista foi retomado recentemente pelo Pe Teilhard Chardin - que a encarnação do logos no mundo é um sacramento de salvação para todos os homens e uma fonte de graça para todos os seres. Tendo em vista a encarnação desse Verbo glorioso toda carne simbolicamente assumida por ele foi incorporada ao divino e santificada recebendo do céu todas as luzes necessárias a prática da virtude.

Assim Sócrates pode viver a vida desse Verbo e Platão anunciar seu advento aos gregos.

Tal parecer é corroborado pelo egrégio Clemente, pelo martir Origenes, pelo doutor Eusébio e por muitos outros padres ortodoxos para os quais a encarnação do Verbo divino, elevou a condição espiritual de todos os seres humanos introduzindo-os no reino da graça.

Portanto a graça não vem pela fé, antes precede-a naqueles que desejam praticar o bem e a virtude.

Assim se inverte o esquema que a pseudo Cristandade traçara:

Constatamos que os pagãos são capazes de ser tão virtuosos quanto os Cristãos.

Ninguém pode perseverar na virtude se não estiver em Cristo e Cristo nele.

Logo: os pagãos também foram assumidos e iluminados por Cristo no ato de sua encarnação.

Não se confundem pois a graça e a fé e não dependem forçosamente uma da outra.

E invertido o esquema torna-se desagrádavel.

Pois se aqueles que ignoram teoricamente o Cristo podem estar nele é evidente que aqueles que conhecem teoricamente o Cristo podem estar fora dele.

De um lado temos o exemplo daquele pagão que ignorando a Cristo, vive, pela graça de Cristo a vida de Cristo, que é uma vida de jutiça, misericórdia e amor...

E do outro o exemplo do neofariseu que conhecendo a lei perfeita de Cristo e a eloquente mensagem da cruz recusa-se a viver a vida de Cristo alegando os benefícios de seu sangue...

Sim, pois a Cristandade chegou a conceber e a formular uma teoria verdadeiramente repugnante.

Concluiu a Cristandade apóstata que pode viver folgadamente, pecando e calcando aos pés a lei de Cristo desde que clame o sangue de Cristo...

Para muitos tal esquema perece absolutamente normal: peco e em seguida recito o nome de Cristo e clamo por seu sangue...

Para outros tantos o Cristianismo se resume nisto: um modo de ter os pecados perdoados, logo de viver pecando...

Creio que tais pessoas jamais atinaram com o perdão oferecido por Cristo.

Efetivamente Cristo proclamou sua indulgência para com aqueles que tendo em vista os tempos da ignorância se voltaram para ele e fizeram penitência dando satisfação de seus delitos, a estes ele recebeu na paz da igreja e decretou puros e inoscentes, não para que tornassem ao vomito ou ao chiqueiro mas para que permanecessem limpos!!!

Ofereceu a cada homem o perdão como um novo começo e não como um devenir que tem em vista uma situação insuperável de pecado...

E não um expediente para que pudessemos viver praticando o mal e transformando o mundo num inferno...

Por isso promulgou uma lei suprema tendo em vista regulamentar as vidas daqueles a que perdoa e recebe em seu reino. O coração e a alma dessa lei eterna é o Sermão da montanha e seu corpo o Evangelho todo.

O Cristão é, com efeito, liberto e emancipado do mal para tornar-se escravo do bem em Jesus Cristo.

Liberto da lei da corrupção para cumprir a lei do ceú. A primeira lei engendrou a morte, esta engendra a santidade e logra acumular merecimentos no infinito.

A Cristandade porem tem feito um mal uso do sangue e por assim dizer profanado-o. Pois tem empregando esse sangue como um amuleto e o que é pior tendo em vista a destruição da lei de Cristo!!!

Tem burlado a lei divina movida pela falsa esperança de ser lavada pelo sangue divino!!!

Como poderei ser lavado pelo sangue daquele que desobedeço assim tão cinicamente?

Pois se cumprisse sua lei pelo poder do sangue e da graça tanto mais sangue seria poupado... A Cristandade porém prefere continuar torturando esse Senhor a que diz amar e a sugar seu sangue qual imenso vampiro...

Sabe que o sangue é preço do pecado e que pode evitar o pecado pela graça do sangue, mas não o evita, para que corra mais sangue...

Porque não toma a graça do sangue para estancar a efusão do sangue e demonstrar misericórdia para com seu Senhor?

Mas nada convence a Cristandade cega a romper com o pecado...

Suas teologias mortas fizeram do pecado uma necessidade metafísica, um destino irreversivel do qual não se escapa...

Elas lançam o sangue de Cristo contra a vontade de Cristo e tudo profanam na medida em que proclamam a fraqueza dos batizados, em suma: a fraqueza da graça...

E para que precisamos duma meia graça...

Se parte da Cristandade pode conceber tais soterilogias oportunistas cujo fruto é a inércia como condenar os pagãos?

Antes de atirar pedras ao telhado alheio cumpre verificar se o nosso não é de vidro, assim dizia meu falecido pai e estou convencido de que é a mais pura verdade.

Conclusão: creio na salvação pela graça da qual as obras são frutos essenciais e necessários sem os quais ninguém se salva e na utilidade da fé ortodoxa para o aperfeiçoamento dos que tirlham os caminhos da salvação.

Creio que a graça é comunicada a toda a humanidade pelo sacramento da encarnação e no aperfeiçoamento dessa graça pelo conhecimento do martírio do Senhor e da lei Evangélica.

Creio que o cumprimento das bemaventuranças e obras de misericórdia evindencia a posse da graça pelos seres humanos.

Creio que a fé sem obras é pura hipocrisia e que aqueles que lha possuem - se é que existe, tenho motivos para duvidar - passarão por um juizo tanto mais rigoroso quanto a graça que desprezaram.

Viva Cristo para sempre em nossas almas!!!

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