O Cristianismo mágico no Oriente.





Por Domingos Pardal Braz





No artigo precedente analisamos como por obra e graça de S Agostinho, Bispo de Hipona, uma série de doutrinas alienígenas, foram introduzidas no seio do Cristianismo Ocidental, como tais doutrinas foram indentificadas e combatidas pelos doutores ortodoxos, como, apesar dessa salutar reação, elas se desenvolveram no decurso de mil anos e acabaram já por dar origem a uma nova forma religiosa: o protestantismo e já por firmar-se dogmaticamente no seio da igreja romana post tridentina.


Tais doutrinas o Bispo de Hipona trouxe-as pediu-as de empréstimo há duas ideologias porque viera a passar antes de aderir ao Cristianismo ortodoxo: o maniqueismo e o neoplatonismo, doutrinas, tanto uma quanto a outra, bastante pessimistas e quiçá infensas a natureza humana.


Do maniqueismo o grande teologo tomou o significado de pecado original, enquanto uma espécie de mal metafísico ou de epidêmia espiritual, bem como seus efeitos: a corrupção total da natureza humana, inclusive a destruição da vontade livre e o obscurecimento da razão.


A Cristandade pré agostiniana - o Oriente em sua totalidade absoluta - sempre compreendeu o pecado Original, como a presença do mal no mundo e sua transmissão aos nascituros e crianças pela própria comunidade e que seu efeito era o enfraquecimento da vontade livre e não sua destruição e tampouco o obscurecimento da razão... O Cristianismo ortodoxo jamais admitiu que a imagem de Deus fosse apagada pelo pecado de nossos ancestrais ou que esse pecado fosse magica e sobrenaturalmente atribuido a nossos pequeninos. Sempre encaramos social e naturalmente a expansão e continuidade do pecado.


O neoplatonismo com seu desprezo pelos sentidos, pelo intelecto mesmo, pela ação, pelo trabalho, etc enfim por tudo quanto é real e material, só veio a reforçar tais teorias na mente confusa do Bispo de Hipona.


Desta salada de maniqueismo com neoplatonismo brotou o gracismo ou agostinianismo, com seu vezo de atribuir a salvação dos salvos a Deus somente e seus corolários: da predestinação, do abandono dos perdidos por deus e de deus como autor do mal e do pecado, os quais como se vê são incompátiveis com a imagem paternal de Deus apresentada pelo Senhor Jesus Cristo nos santos e divinos evangelhos.


Temos no agostinianismo a árvore, no calvinismo os frutos maduros e as raízes no maniqueismo e no neoplatonismo, de forma alguma no Evangelho.


Agora cumpre-nos reconhecer que tampouco o Oriente a suas igrejas, permaneceram incolumes a essa teoria deletéria do neoplatonismo, mas antes mostrar o quanto foi contaminado e descristianizado por ela.


Grosso modo o neoplatonismo corrompeu a instituição Cristã dos pés a cabeça, não poupando sequer um de seus orgãos. Todo corpo místico do Redentor cobriu-se e inda jáz coberto por essa lepra espiritual, cujo progresso inda se opera hoje a todo vapor.


Significam o neoplatonismo e o maniqueismo a negação na matéria e sua identificação com o mal. Essas teorias e suas inferências tem minado e destruido todos os efeitos da encarnação de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ao conformar-se com essas ideologias podres e ao recebe-las em sí o organismo Cristão foi se tornando cada vez mais desencarnado ou como se diz 'espiritualizado' e portanto alheio, tanto as condições reais do mundo em que vivemos quanto as condições materiais dos membros de Cristo.


De expressão concreta a própria caridade que é a mêdula da moral Cristã, converteu-se num sentimentalismo vago e romântico que se completa por gestos e palavras doces...


Após aquela farça descarada que constitui a aeropagítica nada restou de pé na cidade de Deus.


Um neoplatônico fez passar-se por Díonisio, o filosofo ateniense convertido pelo apóstolo Paulo, e compoz quatro obras ímpias eivadas de neoplatonismo. Assim vendeu essas teorias anti-humanas todas como doutrina apostólica... Já Evagro Pôntico e João Clímaco, haviam encetado tal obra de demolição, mas ela só pode triunfar aos esforços endivados pela ortodoxia, após seis ou sete séculos de combates, sob a designação de palamismo.


O abandono da tradição humanista e intelectual - tão bem expressa por Clemente Alexandrino, Origenes, Eusébio, Gregório Nisseno, Eustátio, etc - pela ortodoxia e o inicio de sua derrocada espiritual deve-se a um monge de nome Gregório Palamas, o que Lutero e Calvino fizeram no Ocidente, fez esse porco no Oriente, lançando os remates ao Cristianismo mágico da salvação pela prece e da união direta com deus sem passar pelo próximo.


Tanto no Ocidente, quanto no Oriente o Cristianismo deixou de ser ativo, pragmático ou ético para ser passivo ou fetichista. Nos termos da Ortopraxia foi e ainda é uma apostasia completa.


O Cristianismo subsiste enquanto credo ou pregação, mas foi impedido de realizar-se, as forças redentoras da encarnação, que visavam o homem como um todo e pretendiam redimi-lo integralmente, foram diluidas pelo misticismo...


E o mundo pode odiar, detestar, maltratar, assassinar, roubar, praticar injustiças, mentir, etc sob o nome de Cristo ou seja afirmando-se como Cristão. O mundo pode apresentar-se simultaneamente como Cristão e mau...


Mais ainda, ideologias de morte acobertaram-se sob o sinal sagrado da cruz e em nome daquele que anunciou o amor e o perdão fizeram-se guerras, inquisições, sistemas econômicos refratários a justiça, cadafalsos, etc


Aquele que veio para os homens de boa vontade converteu-se em pedra de escândalo para aqueles que veio chamar e em seu nome congregaram-se todos os ímpios: sanguinários, ladrões, mentirosos, opressores, assassinos, etc


Desde de que o pestilencioso ensinamento de que O HOMEM É CAPAZ DE SE UNIR DIRETAMENTE COM DEUS JÁ NESTA VIDA, POR MEIO DE ORAÇÕES, E QUE DEVE BUSCAR ESSA UNIÃO foi introduzido no organismo Cristão, os sinos dobram finados pelo Cristianismo...


Ide ao Evangelho, lede-o de cabo a rabo, devassai-o por completo, pescrutai linha por linha, palavra por palavra e vos garanto que não encontrareis um J ou um ~ que apresente ou corrobore essa teoria platonica de extases, arrebatamentos e transes, que tanto agrado faz as almas vaidosas e acomodadas... Não essa salvação fácil e falsa jamais foi enunciada pelo Verbo da vida!!! É ensino de Amônio, de Plotino, de Porfírio, de Jamblico e não de Jesus de Nazaré, o Filho da Virgem!!!


Jesus jamais disse ser o homem capaz de experimentar deus ou ser deus passivel de experimentação por parte do homem, tampouco disse que alguém possa estar em plena comunhão com ele nesta vida mortal ou que a maneira de grangear esta união sejam as preces e devoções... Tais ensinamentos não procedem de Cristo mas da acadêmia alexandrina...


Debalde procurareis a doutrina da salvação fácil nos evangelhos, debalde procurareis nele a teoria da salvação pela fé somente, ou por rituais, ou por orações ou por extases... Todas essas formas de salvação foram urdidas pelo égo, para lizongear a carne folgada de uns e outros...


No evangelho só nos deparamos com ações e obras cujo fim é o próximo, nosso irmão, imagem e semelhança de Deus e membro de Nosso Senhor Jesus Cristo, tabernaculo carnal em que ele habita pela santidade como um amigo. Tal orientação é que encontramos no sermão da montanha no começo do primeiro evangelho, tal a orientação que encontramos na descrição do juizo derradeiro no fim deste mesmo evangelho, tal a doutrina que encontramos no Evangelho de Lucas: amai vossos inimigos! Tal a doutrina que encontramos na primeira epistola de João que nossos padres afirmam ter sido escrita a guiza de prefácio ao quarto Evangelho.


Possa iluminar-nos a palavra do apóstolo Pedro: A caridade cobre uma multidão de pecados!

A palavra do apóstolo Tiago: A fé sem obras é morta.

E por fim a palavra bendita do apóstolo das nações: Por hora permanecem a fé, a esperança e a caridade, três virtudes, mas, a maior delas é a caridade!


Cristianismo é isso a apoteose da caridade! Caridade que se sobrepõe a fé, a esperança e a tudo existe... Após o cumprimento estrito da justiça brilha a caridade em seu fulgor e seu brilho é a glória não do Cristianismo corrompido, mas de Cristo Jesus Nosso Senhor!


Enquanto nos sistemas naturais o homem se salva meditando ou gritando Alla ilala razul Mohamed, no Cristianismo só se salva pelo serviço prestado ao próximo na comunhão fraterna.


No Cristianismo o HOMEM NÃO PODE APROXIMAR-SE DE DEUS, NÃO PODE SE UNIR A JESUS, SEM ANTES PASSAR PELO PRÓXIMO socorrendo-o em suas necessidades. Embora a oração piedosa que clama: Pai Nosso que estais nos céus... nos encha de força e poder, Cristo não esta nela, mas no próximo e a ele devemos ir empenhar as forças que recebemos e demandar uma coroa eterna.


Esta verdade indesejável e odiosa para os farizeus de ontem e hoje, e segundo a qual Jesus habita verdadeiramente no pobre e no oprimido, percebeu-a Paulo no exato momento em que ao cair do cavalo na estrada de Damasco ouviu estas palavras divinas: Eu sou Jesus a quem tu perssegues!!!


Ora Paulo de modo algum persseguia a Jesus, que para ele ja estava morto e cujo corpo glorificado em verdade se encontrava nas esferas, mas aquela primeira geração cuja suprema meta era imitar os exemplos deixados por Jesus e viver como ele viveu. Ora Jesus mesmo identifica a estes, que desejavam imita-lo e que suportavam a persseguição em seu nome, consigo.


Teria errado Jesus? Ou estará errada esta geração de agostinianos e palamitas que associou a oração, os sacramentos, os rituais, e as tremedeiras a injustiça e a maldade?


Que é mais facil tartamudear orações o dia inteiro, jejuar, tremer, cantar, etc ou servir verdadeiramente aos membros de Cristo que vivem indignamente num estado crônico de miséria? Esse Cristianismo convencional ou sobrenatural, como gosta de se apresentar, nada faz que as outras formas religiosas igualmente não façam, não se destaca delas!!! A espiritualidade é sempre o mesma... só podemos perceber a diferença no plano imanente das ações!!!


Por isso o teologo disse com toda propriedade: QUEM DIZ AMAR A DEUS QUE NÃO VÊ, MAS ODEIA DO PRÓXIMO A QUEM VÊ É MENTIROSO!!!


Ah Pinóquio quantos e quantos companheiros tendes abrigados sob o sinal de Cristo!!!


Gente que reza, comunga, canta, treme, dança, prega, fala bonito, teologiza, etc MAS POUCO OU NENHUM CASO FAZ DA JUSTIÇA OU DA CARIDADE... quando não prática o mal assim muito naturalmente e dilata as fronteiras do Reino da Morte.


Creem estar já salvos e na posse de Deus, julgam te-lo experimentado e conhecido todos os mistérios do Reino celestes, mas ignoram ao próximo e pouco se importam com a situação de seus vizinhos... Há gente morrendo no apartamento ao lado e nossos santos não se preocupam...


Dispenssaram a mediação humana do próximo e forjaram seu próprio Cristianismo com os tijolinhos fornecidos já por Plotino, já por Agostinho, Ja por Palamas, Já por Lutero...


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