Meditando no Sermão do Monte (3) - Quem deve obedecer?

Por Carlos Seino


"Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte, e, como se assentasse, aproximaram-se os seus discípulos" (Mt 5.1)

Quem deve obedecer o sermão do monte? Todos os cristãos, ou somente um grupo especial dentre eles?

Esta parece uma pergunta singela, mas tem sua razão de ser.

É provável que, nos dias atuais, imediatamente, a maioria diga que todos os cristãos devem, na medida do possível, tenta obedecer o que é dito neste sermão.

Entretanto, entendi ser interessante fazer este questionamento, visto que, conheci pessoas que disseram que as palavras mais radicais de Jesus deveriam ser ouvida e meditada por todos, mas principalmente por um grupo mais especial, mas próximo a ele, que fizesse determinados votos.

Mas aí, fico me perguntando: as bem aventuranças ficariam restritas somente a um grupo de pessoas? E o mandamento para a perfeição, para dar a outra face ao que o fere, para perdoar, etc, ficaria restrito a somente um grupo especial de discípulos?

Por entender que não, a exegese protestante da qual sou devedor entende que não há isto, de gente especialmente separada para cumprir os mandamentos de Cristo de determinada maneira, e outros, de outra. Isto não tem nada a ver em ser contra a vida religiosa (destes, que fazem determinada opção por viver de acordo com determinadas ordens), mas sim em se entender que, o sermão do monte é dirigido a todos os discípulos, e que todos os que se entendem nesta condição, devem fazer um esforço para vivê-lo. Fico imaginando que revolução seria se um pequeno grupo de pessoas vivesse tudo o quanto é prescrito neste sermão. Seria uma pregação que falaria ao coração do mundo muito mais do que meras palavras.

Outra coisa que alguns já se perguntaram é: o sermão do monte deve ser obedecido somente pelos cristãos, ou o esforço deve ser no sentido de que todos o obedeçam?

Bom. Eu sou da opinião que o dito sermão contém princípios e ensinamentos que, se por todos fossem seguidos, um mundo bem melhor se abriria diante de nossos olhos. Basta meditar em suas palavras com atenção, que, provavelmente, não chegaríamos a outra conclusão. Muito do que Jesus diz reflete a sabedoria de muitos outros homens que viveram nesta terra.

Entretanto, reconheço que, uma das qualidades do próprio sermão proferido por Jesus reside justamente na possibilidade de ser rejeitado, como o próprio Cristo o foi. A palavra de Cristo, em certo sentido, é fraca, pois se permite ser rejeitada. A palavra que não se permite ser rejeitada é a palavra fundamentalista, que se impõe pela força do poder, das armas, da intolerância. A de Jesus não é assim. Cabe ao discípulo, tão somente ao perceber que a palavra do mestre foi negada e pisoteada, se retirar, porém, com a própria palavra (Bonhoeffer).

Mas é claro que, a meu ver, a voz profética dos cristãos deve faze soar tais palavras a todos os habitantes do mundo. Jesus, nesta ocasião, não pregou somente para discípulos, mas para uma multidão. E Jesus determina que todos se arrependam (no sentido de mudarem de mente e reformarem suas vidas) e desafia todos a se converterem (no sentido de mudar de atitude). Talvez isto seja muito mais relevante do que fazer com que as pessoas decorem meia dúzia de dogmas e doutrinas e saiam repetindo-as como papagaios. Talvez devessemos profeticamente nos levantarmos realmente ensinando um novo estilo, um novo modo de viver, baseado nos ensinamentos de Cristo.

Teria o sermão do monte uma função pedagógica, como a da lei, para revelar o pecado em nós?

Alguns, de boa mente, entenderam que, ao lermos o sermão do monte, e verificarmos que não conseguimos cumprí-lo, acabaremos chegando a conclusão de que sua função é basciamente a de nos demonstrar que somos pecadores limitados e impossibilitados de cumprir o que nos determina. E, assim ocorrendo, somos imediatamente levados a meditar na morte de Cristo, que viveu tudo o quanto prescreveu no dito sermão, e morreu morte de cruz a favor dos pecadores.

Bom. Particularmente, não excluo esta função do bendito sermão; entretanto, após feito este trabalho de "revelação", de "pedagogia" para nos colocar diante de nossa própria pequenez e incapacidade, somos desafiados sim, a cumprí-lo e procurar sempre encarnar suas palavras. Acho que, inclusive, podemos nos aperfeiçoar em suas prescrições, de modo que, entender que as palavras de Jesus serviriam tão somente para revelar o pecado em nossos corações, seria entende-las de modo incompleto.

Alguns entendem que, de modo geral, se não houver uma especial assistência do Espírito Santo, ninguém consegue viver o sermão da montanha. Outros, que as próprias potencialidades humanas podem vivê-lo, caso alguém assim se decida. Posição em um ou outro sentido tentam fazer a sua própria harmonia das escrituras, filiada a sua própria escola hermenêutica. Conforme disse anteriormente, eu não iria me preocupar muito com estes detalhes, não tentaria fazer nenhum tipo de harmonia (mas provavelmente, isto acabará ocorrendo em um ou outro momento, ainda que inconscientemente), nem com outros documentos bíblicos, nem com algum sistema teológico. Por isso, seja com ajuda do Espirito, ou com a utilização de suas próprias capacidades humanas, cada leitor que assuma a posição que julgar mais apta. Particulamente, creio em Deus como causa primeira de tudo, de modo que, dele vem a assistência para cumprirmos a Palavra de Cristo.

De qualquer modo, concluo que, o desafio do sermão do monte é dirigido a todos os seres humanos deste mundo, mas que, buscará ser obedecido principalmente por aqueles que se julgarem seguidores de Jesus (e não somente por um grupo especial dentre estes), e o chamem de mestre. Ressalto que podem estar por este caminho membros das mais diversas religiões e tendências, gente até que não se identifica com os cristianismos que existem por aí.

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