Sermão do monte (5)


"Bem aventurados os pobres no espirito, porque deles é o Reino dos céus" (Mt 5.3)


Ser humilde de espírito é repetir com Paulo as palavras: "miserável homem que sou, quem me livrará do corpo desta morte" (Rm 7.25)? É ser como aquele pecador que, batendo no peito, pedia misericórdia e perdão, e mal conseguia olhar para o céu". É reconhecer sua miserabilidade, quando destituído da presença de Deus. É reconhecer as próprias faltas, sem querer justificá-las.

Adentrar a vida cristã requer reexame de valores. Conforme Cristo ensinou em outra parte, é como avaliar o conteúdo de um velho baú, tirando-se algumas coisas, mantendo-se outras. Para tal reexame, é preciso muita humildade. Tendemos a defender a todo custo e justificar da forma como podemos aquilo que somos. Temos uma dificuldade enorme para dobrar a nossa cerviz.

Daí a humildade, ou pobreza, de, ou no espírito ser notadamente a primeira bem aventurança. Não se vai ao céu sem tal virtude, não se achega a Deus quem basta a si mesmo.

O humilde, ou pobre no espírito busca esforçadamente a presença de Deus em tudo. Quer a doce presença de Cristo a todos os momentos, e tenta vê-lo em todas as coisas. Quer obedecê-lo em tudo. Vive da misericórdia divina, e junto com toda a Igreja, clama: Senhor, tem misericórdia de mim, pois sou pecador a tua vista!

Em um plano horizontal, o humilde não se coloca em uma posição superior aos seus irmãos e companheiros, ainda que isto lhe doa na carne. Sabe e procura negar-se a si mesmo. Foge dos louvores para preservar a própria alma, e, quando os recebe, dá graças e diz: perdoa-me, Pai, porque pequei. Ser humilde em relação a todos, é procurar estar a serviço de todos, não difamar ninguém, construir, e não destruir pontes. Não se julga melhor do que ninguém.

Por ser pobre no espírito, reconhece sua dependência, não somente de Deus, mas também da comunidade. Precisa dos irmãos, que também o exortem, o aconselhem, que o ajudem a carregar suas cargas, que ouçam seus pecados, que o sustentem em oração. Quando alguém passa a ter a postura de dependente somente de Deus e de mais ninguém, mui provavelmente não é mais humilde. Ainda que na solidão, a comunhão com Deus nos leva a comunhão com os santos. Quem se posta como juiz de todos, não é mais tão pobre assim, e hoje, parece ser moda ser crítico da igreja e dos demais cristãos. Ouvi dizer que o fraco exige muito dos outros mas pouco de si mesmo. Podemos entender que, além de fraco, é o não humilde que assim procede.

Dos humildes, é o reino de Deus. A primeira condição da eterna felicidade é tal virtude, que, melhor do que definí-la, é melhor vivê-la. Muitas vezes me vi cansado, nos debates apologéticos, pois costuma haver muita pouca humildade e paciência nestas discussões. De qualquer modo, o reino dos céus não é somente uma paciente espera para uma morada final, mas sim a antecipação escatológica do reino, que chegará aos humildes. Habitarão nos seio da Santíssima Trindade, os humildes e pobres, pois dali retiram toda a vitalidade de que necessitam.

Ser humilde, ao se reconhecer suas próprias limitações, é saber a hora de parar também, de se desfazer de algumas atividades, pois sabe-se que não é onipotente. Saber descansar é ser humilde também. Nas múltiplas atividades não há desapego, e não sobra tempo para o cultivo da "lectio divina", da "meditatio", da oraçao, do clamor, e, quando não há tempo para estas coisas, ficamos cheios de muitas coisas, ricos para o mundo, mas pobres para Deus. O sentimento do Reino de Deus em nós deveria nos guiar em todas as nossas atitudes.

A pobreza no espírito não está ligada necessariamente a questão de se possuir ou não bens neste mundo; entretanto, os que forem muito ligados às coisas materias terão mais dificuldades em cultivar tal virtude, pois estão ligados em muitas outras coisas. Portanto, a simplicidade de vida é uma aliada no cultivo desta bem aventurança.

Que o Senhor nos ajude a vivermos esta bem aventurança, que certamente, não é a primeira por alguma coincidência.

C.S.

(ótimos comentários ao sermão do monte podem ser econtrados na obra de Martin Loyd Jones, J. Stott, Carlos Queiroz, nos sermões de Wesley, Champlin, Bonhoeffer, entre muitos outros).

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