A verdadeira libertação do homem.

Em defesa duma piedade pessoal contra uma 'piedade' meramente individual.




"Vi, certa vez, um colega, que se diz adepto da teologia da libertação desprezar outro colega que disse se recusar a transar antes do casamento, além de não fumar, nem beber, além de separar um período por dia para leitura meditativa e oração. Tal teólogo “ralou” com o outro colega por ter tais “escrúpulos”, e não se envolver na causa proletária, ou revolucionária. Disse ainda que o cumprimento de tais coisas em nada alteraria o curso do mundo."

Lí com a atenção, o respeito e a consideração devidas o artigo publicado pelo proprietário deste blog sobre a piedade individual e a praxis social.

Embora escreva assiduamente em diversos blogs e comunidades virtuais pouco leio do que neles tem sido publicado e por uma razão bem simples: não considero a maioria do que tem sido escrito como digno de ser lido.

Por isso prefiro ficar na companhia de meus mortos, como dizia Comte, no rencondito de minha farta biblioteca. Aqui posso confabular já com Cícero Já com Eduardo Carlos Pereira, com os quais nem sempre concordo mas cujo estilo ou a correção sempre me agradam.

Aqui posso entrar em comunhão com Aristóteles suja lógica irrefragável me extasia ou com Voltaire que tinha por divisa só se manifestar tendo conhecimento de causa.

Prezo acima de tudo a crítica bem firmada, obsecro o criticismo ou a mania de se criticar sem se saber o que se esta a criticar...

Não aprecio opiniões tolas e sem outro fundamento além da presunção...

Por isso folgo em ler os ensaios e artigos do Dr C S, já pela correção satisfatória, pela concatenação das idéias, pelo emprego de fontes e sobretudo pela civilidade e fineza com que se dirige aos adeptos das teorias que lhe são infensas.

Gosto de ler tais ensaios e artigos e sempre que os leio adquiro alguma sabedoria.

Há em tais escritos matéria para vária reflexão.

Nem sempre concordo, mas sempre reflito e sempre aprendo.

Isto se chama dialética. Coisa que só pode ocorrer entre os semelhantes.

No plano da 'doxa' ou da 'moda', no terreno da opiniomania não há espaço para tal permuta.

Tenho trabalhado estes dias no catalogo de meu acervo e por isso não pude ler ou escrever qualquer coisa.

Hoje soltarei o travo.

Seguem pois algumas considerações pessoais e muito pessoais sobre a ação individual, a ação pessoal e a ação social dos Cristãos, todas pautadas no Evangelho - que é a palavra da palavra divina - e na tradição apostólica da Igreja.


Há basicamente três tipos de piedade religiosa:


a) Ação para o mal: comporta a possibilidade de que o homem se salve praticando obras más.

b) Neutralidade ou inação para o mal: teoria segundo a qual o homem se salva evitando as obras más.

c) Ação para o bem: comporta a necessidade de que o homem faça obra e obras boas para salvar-se.


A umbanda até onde sei - e com ela todas as religões mágico/fetichistas - proclama-se como amoral, constituindo um modo de se agradar aos poderes superiores e de se obter seus favores através de ações e operações simbólicas ou rituais, sem considerações de princípios éticos.

O próprio judaismo pós profético tornou patente a seus adeptos a impossibilidade do homem salvar-se acomentendo seus semelhantes.

Caso o Cristianismo tivesse, como postulam alguns, oferecido aos homens, um tipo de salvação isenta de boas obras e afirmado que o homem pode salvar-se fazendo obras más, seriamos levado a concluir que ele não supera em nada as religiões primitivas e que é de certo modo inferior ao judaismo ou uma degenerância do mesmo.



Os hebreus fizeram uma afirmação bastante sábia quando puzeram na boca de um de seus líderes as seguintes palavras: O verdadeiro sacrifício que o Perpétuo espera é a obediência.

Acreditavam os hebreus na imperativa necessidade de se obervar ao decalogo para se evoluir espiritualmente.

Entretanto o decalogo - por mais ampla que seja nossa compreenção a seu respeito - é um código eminentemente negativo e negativista, estipula mais o que não deve ser feito do que aquilo que deve ser feito.

Poderiamos resumi-lo numa só palavra: abstem!

Abstem do mal.

Pois abster-se do mal é o bem.

Por isso os hebreus se limitavam a evitar o mal.

Somos Cristãos professos e convictos.

Pois cremos que ao invés de renunciar ao progresso espiritual encetado pelos antigos hebreus, ele ultrapassou-o e ultrapassando-o deu origem a um novo padrão ou critério de vida espiritual, um padrão ativo e ativo para o bem.

Se a religião primitiva ou ritualista era e é indiferente a questão do bem e do mal.

Se a religião hebraica encarava o bem como abstenção do mal.

O Cristianismo susterá que o homem para salvar-se esta obrigado a fazer o bem.

"Aquilo que desejas que te seja feito, faz tu tambem a teus semelhantes."

A determinação aqui não é abster mas agir, atuar, operar...

Tal a palavra de Cristo nosso Mestre.

Não diz: evita ou foje, mas: faz...

O cristão é pois aquele que faz...

Mas faz o que?

Aqui outro problema e crucial problema...

Pois para alguns este fazer se reduz a esfera do individual: Não fazer sexo antes do casamento, não beber, não fumar, não comer isto ou aquilo, não dizer nomes, etc

Admitamos por um momento (ad hominem) que tudo isto é bom...

Entretanto nada disto é ação, mas inação...

Pois antes da ação nos deparamos com a partícula negativa não.

Trata-se apenas de se evitar alguns excessos relativos ao corpo ou seja a intemperança...

Os fariseus do tempo de Jesus gostavam muito de se abster ou melhor de jejuar e se satisfaziam muito com isto...

Também se abstinham de executar uma série de ações no dia do sábado...

A adoção deste tipo de espiritualidade alienigena por grande parte dos cristãos professos engendrou um grande número de consciências satizfeitas e embiocadas.

Pois assim é muito facil ser Cristão.

Trabalho, as vezes e no mais das vezes explorando meus colaboradores e com os rendimentos do trabalho alheio, ou melhor do meu trabalho ( que é gerir o trabalho alheio ) compro uma bela herdade, com jardim e muros bem altos, me enfio dentro dela com os meus e ponho-me a jejuar, abster-me de carne, vinho, fumo, palavrões, etc PRONTO ESTOU SANTO OU MELHOR SOU CRISTÃO!

Entretanto os apóstolos fizeram muito mais do que isto...

Não me perece que tenham saido pelo mundo afora com o intuito de dizer: não bebam, não comam, não fumem nem digam isto ou aquilo...

De minha parte não enxergo nem cruz nem heroismo, nem nada neste tipo de Cristianismo além de subproduto duma mentalidade burgueza totalmente alheia ao contexto histórico em que surgiu a divina instituição do Cristianismo.

Que piada: os Cristãos foram martirizados porque não queriam beber vinho ou comer carne vermelha? Ou porque não faziam sexo antes do casamento?

Sabemos entretanto, e por boas fontes que os Cristãos eram acusados de: QUERER DESTRUIR O ESTADO.

DE SE OPOR A ORDEM ESTABELECIDA.

DE CONSPIRAR CONTRA O GOVERNO.

ETC...


Porque os Cristãos como imitadores do Verbo condenavam as guerras, a escravidão, a pena capital e tantas outras agressões ao homem e a vida sobre as quais estava edificada a sociedade romana, e que são perfeitamente toleradas pela Cristandade burgueza que condena ao fumo e ao sexo antes do casamento.

Os Cristãos foram perseguidos porque sua ética voltada para fora de si se chocava frontalmente com os pseudo valores proclamados pelo império.

O império romano jamais teria mandado sacrificar consciências conformadas com o mal, consciências isoladas separadas por muros e jardins, consciências indiferentes ao outro...

O individualismo não poderia incomodar ao grande império de César porque este império era ele mesmo em grande parte individualista.

Incomodou ao império esse personalismo extra individual essa consciência fraterna, social e humana que pela primeira vez emergiu lá nas plagas da longinqua Galiléia.

Concordo com a atitude do teologo liberacionista em ridicularizar este tipo de Cristianismo auto satisfeito, legalista, fariseu, puritano e execrável!

Tal legalismo fomentado por Calvino em oposição ao antinomiasmo de Lutero é quase tão frívolo quanto este. Nem regeitamos a lei para viver sem lei nem nos voltamos ao padrão judaico do negativismo individual, antes recebemos a Lei eterna de Cristo que é uma lei de relações pessoais que jamais se esgota no sujeito.

O Cristianismo autêntico nem é consciencia fraca e desesperada diante do mal nem é consciência iludida sobre o verdadeiro bem ou o bem essencial.

Efetivamente é comum observar como os santos do puritanismo, que não bebem, não comem, não fumam, não transam deste ou daquele jeito e não proferem estas ou aquelas palavras são muitas vezes completamente indiferentes as necessidades de seus semelhantes.

Pior: O mesmo burguês 'Cristão' isolado em sua vivenda, macilento e ascético, esse mesmo burguês é o patrão que na Inglaterra vitoriana enviava mulheres grávidas, crianças de quatro anos e velhotes de noventa ao fundo das minas de carvão, em troca de pedaço de pão ou que duas batatas...

Cristãos conformados ou até duros consigo mesmos tem sabido ser extremamente cruéis para com os demais seres humanos...

Por jejuar bastante (voluntariamente) os patrões puritanos não compreendia o porque das criancinhas pobres chorarem de fome... porque não jejuavam?

Não compreendiam porque seus operários bebiam alcool...

Pois ele podia substituir a água por leite, ou suco de frutas, ou qualquer outro nectar... os pobres todavia só podiam optar pela água ou pelo vinho... muitas vezes servido por um abstemil que lucrava vendendo bebida aos outros e lhos encarava como condenados...

Todo esse edifício podre desde os fundamentos é um edificio invertido e de pernas para o ar, que não corresponde aos planos e a vontade positiva dos Mestre amado.

Onde Jesus afirmou que o homem deva ser abstemil se ele mesmo transformou água em vinho?

Onde condenou o consumo de carne ou peixe se deles se serviu?

Onde mandou jejuar se era acusado de comer e beber em companhia de pecadores?

Disse que os apóstolos - como judeus que eram - jejuariam após sua morte na cruz até sua ressurreição, e não que nós Cristãos devessemos viver jejuando.

Jesus jamais pretendeu escrever um cardápio sagrado ou pesar os pratos de seus seguidores como se faz nos restaurantes de Kilo...

Onde Jesus afirmou que só se pode ter relações após o casamento? Afirmou-o ele, de moto próprio ou trata-se antes de um elemento típico da cultura judaica?

Como Jesus poderia ter condenado o fumo se este só foi descoberto por Thevet após a descoberta da América? Ou o chocolate? Ou o café? Ou os temperos?

De fato as seitas tem condenado a isto tudo e tudo isto foi criado por Deus...

Entretanto as seitas tem proclamado o amor, a benignidade, a justiça, etc???

Teem as seitas defendido a sacralidade da vida humana?

Então esta instituição ou pessoa que não bebe, nem fuma, nem transa antes de casar deve estar bem longe do reino de Deus...

Pois não fomos ensinados a evitar os pecados que não são para a morte e a tolerar a cultura de morte.

Se somos levados a entoar um 'mea culpa' por sermos infiéis no pouco, como querem alguns...

Nossos adpetos do Cristianismo burguês ou puritano devem entoar um grande 'mea culpa' porquanto tem se mostrado indiferentes para com a justiça, a vida e os sofrimentos de milhões de seres humanos, levando uma vida conformada.

Confessemos que nos falta o acidental...

Que as vezes proferimos um palavrão ou ingerimos meia bolacha a mais...

Entretanto lutamos por um mundo melhor denunciando todas as formas de opressão e injustiça como Jesus mesmo mandou.

Entretanto se aos Cristãos burgueses falta essa empatia ou essa sensibilidade para com o próximo, essa sensibilidade divina que se chama amor, creio que lhes falta o essencial.

Diante disto me pergunto para que tanto jejum, para que tanta abstinência, para que tanto sacrifício, para que virtude individual se falta o amor?

Salvar-se-a alguém por evitar meramente a intemperança? Salvar-se-a pela temperança apenas?

Abro meu Evangelho e leio: amai-vos uns aos outros e não: sede temperantes ou abstinentes. Isto não leio.

Será que tais soluções psicologicas ou individuais bastarão para resolver aquele tipo de problemas que pertencem a ordem social?

Isto só seria possivel se pudessemos provar que a temperança ou o ascetismo sempre estão associados a justiça, a misericórdia, a tolerância, a caridade... o que justamente não se pode provar.

Pois pelo contrário a realidade parece erguer uma das pontas do veu e mostrar que geralmente a temperança e o ascetismo estão associados a insensibilidade para com o outro e até mesmo a crueldade. Conforme aquele mesmo patrão abstinente, sóbrio e moderado não vê problema algum em manter seu status quo as custas de um litro de leite furtado ao filho recém nascido de um de seus operários, antes é levado a conjecturar: isto se sucede ele não é abstinente e sóbrio como eu...

Jesus sempre ensinou que evoluiremos espiritualmente apenas e tão somente na medida exata em que fizermos o bem a nossos semelhantes conforme o mistério de sua graça.

Pois se prevalece o mal em nós para que serve a dita graça?

Mas se graça possuimos verdadeira como pode prevalecer o mal?

Acontece que muitos foram ensinados que o homem foi apenas externa e formalmente remido ou seja salvo dum mítico inferno ou de um espantalho Satanaz e não do mal ou do pecado.

Muitos foram ensinados que não são capazes de vencer ou que a vitória é muito facil.

Cumpre evitar a ambos os extremos e inversões.

Somos perfeitamente capacitados por Cristo para derrotar o mal e o pecado, entretanto, para isso a graça de Cristo conta com nossa cooperação, esforço e boa vontade.

As vitórias preparadas pára nós não são simples vitórias legalistas ou burguesas referentes a palavras ou a quatidade de comida ingerida por nós.

As vitórias a que estamos dispostos pela cruz sagrada são vitórias contra o egoismo, a injustiça, o ódio, a crueldade, a morte, e tratam-se de grandes vitórias.

Libertar apenas parte do homem não é libertar o homem todo, o homem precisa duma libertação integral e essa libertação só se dá através do amor.

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