O elemento miraculoso nos primórdios da Reformação protestante e seu desenvolvimento.

lUTERO E OS MILAGRES> O EMBATE ENTRE A ESCOLÁSTICA PAPISTA E A TEOLOGIA LUTERANA.










Quando M. Lutero veio ao mundo já no final do décimo quinto século depois de Cristo, toda Cristandade do Oriente ao Ocidente estava mergulhada na ignorância e sepultada nas trevas mais espessa por obra e graça das invasões bárbaras e das invasões islâmicas...

Apenas uma tênue luz principiava por brouxelar em Pádua e Bolonha, de cujas cátedras de filosofia - inspiradas na filosofia aristotélica - Vérnias, Achilini, Nifo, Zimara e sobretudo Pomponazzi muito sutilmente infirmavam a crença em milagres... e a increpar seus adeptos.

Portanto Lutero não era a luz... muito pelo contrário se houve algo que ele jamais reformou foram as crenças ancestrais em bruxas, Diabos, possessões, feitiços, gênios, fantasmas, etc Enfim todo o vasto cortejo de quejandas e frioleiras medievais...

No entanto a partir do momento em que começou a afirmar-se como reformador da Cristandade e a ser acusado pelos papistas de ter inventado um novo padrão ou uma nova forma Cristã - além da ortodoxia e do papismo - foi obrigado a rever seus conceitos, ao menos no terreno da teologia e da controvérsia.

E tal revisão implicou necessariamente numa regeição ao elemento miraculoso.

Levado pelas disputações em torno de sua missão Lutero foi constrangido a afirmar que as manifestações sobrenaturais e miraculosas foram canceladas logo após a morte dos derradeiros apóstolos e seus colaboradores.

Como veremos foi a dinâmica controversial mesma que conduziu não apenas Lutero, mas Calvino e a maior parte dos primeiros reformadores a este posicionamente insólito segundo o qual a ocorrência de milagres no tempo presente era impossivel.

The Encyclopedia of Religion diz: “Tanto Lutero como Calvino escreveram que a era dos milagres findou e, por isso, as pessoas não deviam mais esperar que eles ocorressem.”

Surpreendente não, mas absolutamente verídico!

Lancemos porém um golpe de vista sobre o momento para ver se descobrimos o pôrque de tal negativa.

A principio, enquanto Lutero permaneceu enquanto mero cismático, adito aos artigos de fé propostos pelo Vaticano, niguém se lembrou de incomoda-lo com a temática dos milagres.

No entanto na medida em que regeitou a estas e aquelas doutrinas tradicionais e aceitas por todo povo Cristão no mínimo há mil anos, afirmando em contrapartida como artigos de fé a alguns principios aditos primitivamente apenas e tão somente a corrente agostiniana, os doutores mais acurados da igreja romana perceberam que estavam já diante de uma nova forma credal, produzida pela cabeça do próprio Lutero, o qual sem embargo apresentava-se como profeta dos alemães e depurador da Instituição Cristã.

A conclusão era pura e simples: Tanto a igreja romana, quanto a grega (que concordavam e concordam a respeito de certos artigos de fé regeitados por Lutero e pelos protestantes) haviam se deixado enrredar pelo erro em matéria de fé ou apostatado, merecendo portanto a designação de falsas igrejas ou seitas perante o Luteranismo/protestantismo, o qual correspondia a forma original e incorrupta do Cristianismo primevo.

Destarte clamaram os papistas:

-- Vosso Lutero postulou novas doutrinas e corrompeu a fé.

Ao que os doutores luteranos engenhosamente revidaram:

-- Não o Dr Lutero nada inventou. Pois os princípios que nos apresentou já se encontravam na teologia dos padres antigos ( para os pspistas e luteranos a expressão 'padres antigos' equivalia quase sempre a Agostinho e efetivamente quase todos os principios afirmados por Lutero já se encontravam latentes em suas obras) e os que ele regeitou (como o papado) nela não se encontravam. Portanto Lutero nada inventou apenas selecionou entre as crenças que vôces já professavam ou não professavam mais, o que estava ou não de acordo com a fé da igreja antiga... partiu pois Lutero de vossa fé e não de sí mesmo.

Diante desta resposta os papistas, a principio, ficaram perplexos pois efetivamente alguns dos principios enunciados por M. Lutero não eram nada recentes, pois haviam sido enunciados cerca de mil anos antes pelo Bispo de Hipona; em contrapartida, alguns dos dogmas regeitados por Lutero, como o papado, já haviam sido regeitados pelos gregos sob a alegação de que os padres antigos nada sabiam sobre ele. Que responder então diantede tudo isto?


Como não podiam responder diretamente a Lutero, os escolásticos prepararam-lhe uma contra resposta, por assim dizer imbativel, a qual teria de leva-lo fatalmente a mais uma ruptura, desta vez revolucionária, com as crenças comuns e a uma posição escandalosa para o tempo.

Eis o argumento dos papistas:

-- Muito bem Lutero apenas selecionou entre nossos artigos de fé o que era verdadeiro do que era falso, assumindo portanto a função ou o encargo de árbitro da fé Cristã... Concedemos.

Agora cumpre-nos fazer-vos duas perguntinhas: Quem comissinou a Lutero para essa função de árbitro ou reformador da fé: O Cristo ou ele mesmo?
E como realizou seu trabalho: pelo poder do Espírito Santo ou por suas próprias forças?

Tais questionamentos deram muito o que fazer a Lutero e seus seguidores e até hoje não pode deixar de incomodar aos protestantes mais sábios e esclarecidos.

Entretanto os Luteranos estavam postos de encontro a parede e não havia sofisma, recurso ou cavilosidade que os pudesse salvar - pois já podiam imaginar para onde a escolástica iria arrasta-los - da arapuca armada pelo Vaticano. Destarte só lhes restou afirmar:

-- Cremos que o Dr Martinho Lutero foi comissionado pelo próprio Deus com o objetivo de depurar a fé da igreja com relação as superstições reinantes e afirmamos que foi subsidiado em sua tarefa pela graça do Espírito Santo.

Tal fórmula parece-nos a primeira vista bastante exata e no entanto comporta um bom número de conclusões das mais audaciosas, tais como:

-- Como Cristo comissinou a Lutero?

Interna ou externamente?

Se externamente foi Cristo quem desceu ou Lutero de ascendeu?

Neste caso quem e quantas foram as testenhumas?

............................................................

-- Lutero sentiu em seu coração os apelos do Espírito Santo por um Evangelho mais puro. Foi tudo quanto seus auxiliares lograram responder aos papistas...

Tudo, tudo, tudo: do chamamento a arbitragem passara-se subjetivamente, já porque ninguém ouvirá a vós do Senhor ou contemplará sua aparição ao ex monge agostiniano...



Diante de tal resposta os papistas, que há anos aguardavam por ela, deram o golpe de misericórdia na controversia:

Neste caso se as operações de Deus ou do Espírito Santo foram internas e invisiveis os homens só podem ser convencidos por alguma evidência externa ou seja por meio de milagres...

Milagres???

Mas afinal o que os milagres teem a ver com o surgimento do protestantismo ou a grande reformação?

A resposta dos papistas foi e penso eu que ainda seja bastante convincente:


Ao tempo que Jesus manifestou-se entre os hebreus, todo povo estava convencido de que a religião de seus pais procedia dos céus e que havia sido estabelecida por Deus através dos milagres e prodígios referidos em sua Taurat... Ao menos quanto a sublimidade do decalogo Jesus e toda a tradição Cristã admitiram que corresponde a uma certa atividade ou operação divina.

E no entanto o Jesus manifestou-se com o objetivo de suprimir a esta econômia divina e a Igreja Cristã pretende te-la substituido...

E todos havemos de concordar que para os judeus do tempo de Jesus e sua atual descendência tal pretenssão é insofrivel, merecendo Jesus a alcunha de sedutor e herético. Partindo do principio de que Deus mesmo estabelecerá a econômia hebraica no Sinaí através de milagres e portentos.

Portanto se Jesus tivesse empreendido fazer tudo quanto fez, ou seja, anunciar a boa Nova entre os hebreus, sem realizar os milagres e portentos que eles esperavam de um simples profeta (quanto mais de seu Messias ou dum reformador religioso) teria morrido obscuramente compo paga de sua loucura.

Este foi o principal motivo que constrangeu o sábio Senhor a violar as leis naturais que ele mesmo estabelecerá com o intuito de convencer ao menos parte dos hebreus de que a religião de seus pais havia se corrompido ou apostatado precisando duma completa reformação.

Tal foi a tradição recebida pelos padres da Igreja os quais em suas controvérsias com os hebreus sempre apelaram aos milagres e portentos realizados pelo Senhor como evidências de que a religião mosaica havia se corrompido e sido destituida de suas prerogativas. Em tais ocasiões os hebreus - tal e qual registra o Talmud - alegavam que Jesus não realizará seus milagres pelo poder de Deus, mas por obra de mágia e pelo poder de Satanaz, afirmando mesmo que encontrará numa tumba o anel de Salomão e que em posse de tal amuleto conjurava Belzebub a auxilia-lo...

No entanto quando os hebreus tomavam a iniciativa de atacar a fé Cristã, o ataque era logo de pronto amortecido pela narrativa dos milagres do Senhor, conforme todos admitiam que tais milagres constituiam uma excelente credencial para ele e sua obra.

Quanto a fé Cristã, todos gregos e romanos, acreditaram durante 1500 anos ser ela divina, incorrupta e irreformavel, convindo mesmo que fora doutrina do papado e do juizo, ambos os grupos conservavam-na em sua maior parte.

Foi quando apareceu Lutero, afirmando o Biblicismo, o livre examinismo e regeitando a comunhão dos Santos...

Primeiro os romanos e pouco depois os gregos - sob Jeremias II - acabaram por chegar a conclusão de que Lutero inaugurara um terceiro padrão, um padrão novo ou diferente e que seus colaboradores e sucessores estavam a alterar ou ampliar este padrão.

E diante desta pretenssão nutrida por Lutero de selecionar ou de alterar a fé comum da Igreja e de ter sido chamado e inspirado por Cristo os teologos exigiram deles o mesmo que os antigos hebreus costumavam exigir do Senhor: milagres...

A diferença foi que Jesus podia executar e executou diversos milagres corroborando sua autoridade e missão, enquanto Lutero e Calvino não podiam realizar milagre algum como de fato jamais realizaram.

Não compreendo pois como um pentecostal, convencido de que os milagres constituam sinais ou credenciais divina possam prestar fé a Lutero ou Calvino, mesmo sabendo que nenhum deles jamais foi capaz de realizar a um unico milagrezinho por mais que fossem desafiados pelos papistas...

Afinal a resposta dada por Lutero e seus sequazes aos papistas foi em parte totalmente oposta ao éthos pentecostal:

-- Não farei milagre algum por que milagres não existem mais.

Assumindo inclusivamente ônus segundo o qual todo e qualquer luterano deveria crer cegamente em sua palavra ou em seu testemunho ou seja o ônus do fideismo. E houve quem de fato lho quizesse pagar...

Os papistas no entanto, como não viram as evidências externas, ficaram irredutiveis em sua posição de modo que o luteranismo e o Calvinismo jamais lograram suplantar o papismo na Europa.




No próximo artigo examinaremos mais atentamente a argumentação empregada pelos papistas e procuraremos demonstrar que no frigir dos ovos existem apenas dois éthos no Cristianismo>

- Doutrina a imutabilidade e incorruptibilidade da igreja associada a doutrina da sucessão apostólica, a qual prescinde do elemento miraculoso.

- Doutrina da corruptibilidade da Igreja, da apostasia e da necessidade de reformação, a qual carece necessariamente do elemento miraculoso para afirmar-se.

Lança-mos pois fora a vertente ortodoxa segundo a qual a pura e simples leitura da Bíblia implica na demonstração da verdade.

Pois a Bíblia cada qual a lê, compreende e interpreta como quer, jamais saindo o livre exame da esfera do subjetivismo.

Somente as teorias da sucessão apostólica ou do milagre, apresentam aquelas evidências externas e objetivas exigidas por todo homem prudente e cauteloso.

Portanto o supremo embate não se dará entre o livro e qualquer uma das partes, mas entre a afirmação historicista da sucessão apostólica e a afirmação mística do miraculoso e do carismático.

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