DOGMA E AMOR


Por Carlos Seino
http://blogdoseino.blogspot.com/

Tenho alguns amigos que não crêem mais na necessidade de se acreditar nos dogmas e principais doutrinas do cristianismo.

Um deles, em certa ocasião, disse por exemplo, que não era mais necessário acreditar no símbolo niceno-constantinapolitano, ou seja, não era mais tão importante se crer na divindade do Filho e do Espírito Santo para se manter a identidade cristã.

Argumentou que mais importante do que se crer em dogmas, era praticar o amor, nos mesmos termos em que Jesus amou. Citou o seguinte trecho: “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei...” (João 13.45).

Bom.

Não discordo que alguém pode acreditar em todos os dogmas do cristianismo, sejam ortodoxos ou protestantes, e não viver o amor.

É verdade.

E também não discordo que possam existir alguns que, mesmo não crendo em dogma nenhum, dediquem sua vida ao amor ao próximo, ao serviço humanitário. Albert Schweitzer foi um grande exemplo disso.

Entretanto, estes não me parecem ser motivos suficientes para termos algumas doutrinas básicas do cristianismo em pouca conta.

Em primeiro lugar, porque não existe religião, pensamento, ideologia sem doutrina.

Dizer que iremos criar uma religião baseada na ortopraxia em si já seria em si, uma doutrina, um dogma. Ou dizer que nossa religião não tem doutrina, já seria em si uma doutrina!

Há igrejas que levam isso tão a sério que sequer ordenam pessoas que acreditem em algum dogma, pois o lema lá é não acreditar em dogma nenhum!

Além do que, caso se deixe de acreditar em postulados como a divindade de Cristo, a redenção, a ressurreição, etc, faria com que perdêssemos, a meu ver, a identidade confessional cristã, e, certamente, outro “algo” doutrinário preencheria tal vácuo.

No que iríamos acreditar?

Na balança de Alá (ou mesmo de Jeová), em que as obras seriam pesadas no dia do juízo final, fulminando o conceito de graça? Ou na lei do carma, em que cada qual teria que purgar suas próprias culpas através do sofrimento em outra vida (fulminando também o conceito de graça e de perdão)? Ou no Nirvana, em que um dia todos se uniriam ao absoluto, tragados pelo Uno, pelo indescritível, etc? Ou mesmo, confrontados com a inexistência piscossomática visto a morte ser o fim de tudo, como querem os ateus?

Enfim, não existe vazio conceitual, ainda que este vazio seja somente preenchido pela dúvida.

Em segundo lugar, é equivocado dizer que podemos cindir, dividir, separar a prática cristã dos conceitos doutrinários do cristianismo.

Isto porque, a contemplação das principais doutrinas do cristianismo nos leva, se os tomarmos a sério, a uma prática condizente com aquilo que dizemos crer.

Tomemos o exemplo da doutrina da encarnação.

Por tal doutrina entendemos que o Filho de Deus, o Cristo, que sempre existiu eternamente, assumiu a condição humana, viveu vida de servo, morreu morte de cruz.

Ou seja, ele identificou-se profundamente com a condição humana, e se tornou um de nós.

Tal doutrina tem influenciado milhares e milhares de cristãos durante estes dois mil anos de história a também renunciarem uma condição privilegiada para se identificarem com o sofrimento e a dor alheia.

Ouso dizer que mesmo cristãos liberais que viveram filantropicamente se inspiraram nesta grande imagem!

Mesmo pessoas de outras religiões!

Quantos “Pedros Valdos”, “Franciscos de Assis”, “Bonhoeffers”, entre tantos outros, tomaram tal exemplo para suas próprias vidas e ministérios? É impossível contar!

Inspirados pelo próprio Deus, que se ajoelha diante dos pés sujos dos seus discípulos e os lavar.

É uma imagem grandiosa, bela, que nos inspira a devoção e a prática do serviço e do amor!

Daí, fazendo frente ao exemplo que eu dei no início desta reflexão, fica difícil saber a real dimensão do amor de Deus se suspendermos a crença na doutrina da encarnação, por exemplo.

Portanto, sugiro que os teólogos, professores cristãos, pastores, etc, pensem mais demoradamente antes de se lançarem ao modismo de fulminarem e ensinarem o povo que os dogmas e doutrinas cristãs já não são tão importantes assim.

O Apóstolo Paulo sabia da interdependência entre vida e fé, pratica e doutrina, e que ambas não poderiam ser cindidas. Tanto é que falou ao seu discípulo Timóteo: “Tem cuidado de ti mesmo (vida prática) e da doutrina (crença). Continua nestes deveres, pois fazendo assim, salvará tanto a ti mesmo como aos teus ouvintes” (1 Timóteo 4.16).

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