Anglicanos tornando-se católico-romanos


Por Carlos Seino

A mídia tem noticiado um número significativo de anglicanos que têm se tornado católico romanos. Muitos amigos evangélicos perguntam-me, porque raios tais anglicanos não vão para uma igreja protestante mais tradicional, já que estão insatisfeitos.

O fato é que o anglicanismo é composto de diversas tendências, das quais pelo menos três podemos citar. Há anglicanos anglo-católicos, por exemplo. Estes, em tudo assemelham-se aos católico romanos, a não ser pelo fato dos clérigos poderem se casar. Outra tendência é a evangelical, que se aproxima mais dos protestantes. A diferença é que mantém uma eclesiologia católica, não obstante uma soteriologia oriunda da Reforma, por assim dizer, e com uma liturgia mais "light". John Stott, James Packer, N. T. Wright, Robinson Cavalcanti, são alguns anglicanos que representam esta tendência. Há ainda uma tendência mais liberal no anglicanismo, que pode ser vista talvez como um ultra-protestantismo, no aspecto teológico, ainda que se mantenha uma liturgia mais próxima do catolicismo.

Os anglo-católicos não se tornam anglo-evangélicos, porque têm uma identidade litúrgica muito mais próxima do catolicismo; daí, também, não se tornarem protestantes. E o anglicanismo, de modo geral, principalmente no hemisfério norte, tem aderido à teses mais liberais, como a ordenação femininia e de homoafetivos. Mas não é só isso; há locais em que há um verdadeiro "desmanche" da teologia tradicional, um ultra e amplo ecumenismo que espanta qualquer anglo-católico.

Ocorre que, segundo ouvi dizer, as dioceses mais anglo-católicas passam por muitas crises, seja de frequência, seja financeira. Muitos destes anglicanos que se tornaram católicos já não faziam mais parte formalmente da Comunhão Anglicana, principalmente quando esta começou a ordenar mulheres ao episcopado. Não quero dizer com isso que tais conversões não sejam feitas por convicção religiosa, mas são fatos que devem ser levados em conta. Se a tendência anglo-católica fosse a majoritária e não estivesse vivendo tal crise, penso que tais conversões não ocorreriam.

Digo isso, porque, os anglicanos de tendência evangelical não aderiram de modo algum ao "convite" de Bento XVI. Em muitos países africanos, como Uganda, Nigéria, etc, o anglicanismo tem se revelado bastante forte, por assim dizer. Para se ter uma idéia, o último encontro referente ao Pacto de Lausanne, o maior econtro de evangélicos no mundo inteiro, foi feito sob a hospitalidade do anglicanismo local (Uganda), tendo sido inclusive realizada a última celebração sob a presidência do arcebispo anglicano local, com uma liturgia considerada bastante tradicional para os participantes ali reunidos.

Eu acho uma pena que os anglo-católicos estejam se tornando católico-romanos. Acho que há aspectos reformistas no anglo-catolicismo que deveriam prevalecer, como a questão da não obrigatoriedade do celibato. No meu entender, seria mais adequado que o anglicanismo tradicional fosse reconhecido como uma jurisdição ortodoxa, do que se tornar romano, pois tem mais a ver com aquele. Mas penso que os ortodoxos não têm a mesma força e a mesma habilidade político-eclesial de Roma.

Enfim. O êxodo religioso continuará a ocorrer. A tendência é que os anglo-católicos continuem aderindo ao catolicismo romano. E, católicos, leigos ou clérigos que querem uma versão mais liberal do catolicismo, irão se tornar anglicanos, com certeza. E estas duas igrejas continuarão dialogando não sei o que... Isto porque, penso que a Comunhão Anglicana, de modo geral, não voltará à Roma; o que continuará ocorrendo tão somente é a conversão de anglo-católicos ao catolicismo romano.

Comentários

  1. Carlos, discordo de algumas de suas análises. Acho que o âmago da minha discordância resume-se a realmente um ponto, a partir do qual você traçou todo o seu artigo.

    Trata-se da existência de correntes "católica, protestante e liberal" no Anglicanismo.

    A meu ver, essa visão nos remete a um passado do final do século 19, no qual o liberalismo protestante estava surgindo forte (e angariando vozes no anglicanismo), o evangelicalismo tinha o "status quo" e o avivamento católico estava dando os primeiros passos e sofrendo a perseguição instituicionalizadas dos evangélicos ao passo que conseguia novos adeptos nas favelas recém-formadas com a segunda revolução industrial.

    Mas isso tudo mudou. Primeiro que os liberais surgiram em meio à própria ala "low church" e liturgicamente pouco se distinguiam dos evangélicos mais conservadores. Nunca houve uma identidade litúrgica "liberal". Houve, sim, o advento da teologia moderna no seio anglicano - a qual posteriormente alcançou inclusive os anglo-católicos (bem como atingiu os católicos romanos também).

    Por outro lado, o crescimento formidável do movimento católico teve seu grânde êxito na revisão das liturgias, no fortalecimento da catolicidade da teologia anglicana e na própria distinção do anglicanismo como uma corrente religiosa distinta do catolicismo romano e do protestantismo. Hoje, você vê igrejas que se identificam como evangélicas reservando o sacramento, com sacerdotes fazendo a elevação dos elementos e usando imagens e vestes eucarísticas. As distinções tornaram-se de certa forma muito mais por conta de ênfases em certos aspectos litúrgicos e teológicos que por distinções mais básicas nos aspectos centrais doutrinários.

    Assim, o que vejo é a proliferação mais ampla da chamada "broad church", que é um meio termo disso tudo, com uma identidade anglicana mais definida e uma estética de movimento litúrgico (que é a mesma da ICAR pós-Vaticano II e de alguns grupos luteranos). E você também vê grupos mais marcadamente evangélicos e outros mais marcadamente católicos, com ênfases mais protestantes ou católicas acerca em torno da teologia anglicana. O problema é que em todos esses, há um elemento carismático que pode (ou não) se sobrepor e mais uma variedade de posicionamentos teológicos que vai do extremo conservadorismo ao extremo liberalismo. Se você pegar esses três grupos e dividi-los em "conservador" e "liberal", já são umas seis famílias diferentes. Como todos podem ser (ou não) carismáticos, ficariam 12 grupos.

    Por fim, na pós-modernidade, é cada vez mais comum encontrar um contínuo de opiniões, com cada vez mais pessoas adquirindo (e mudando) de identidades e posicionamentos religiosos. No próprio movimento católico anglicano, que conheço melhor, você encontra um sem número de variações teológicas e litúrgicas. Por exemplo, os católicos do grupo "affirming catholicism", mais inclusivos e provavelmente maioria em várias províncias, não desejam aceitar o convite do Papa. Isso porque entendem a ordenação feminina como desenvolvimento válido da Tradição e estão satisfeitos onde estão. Mas em outros aspectos, retêm sua identidade católica.

    Espero que você goste de minhas considerações.

    Parabéns pelo blog. Está de muito bom gosto.

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  2. Olá, Luiz. Gostei muitíssimo de suas observações. De fato, reconheço que fui muito resumido na distinção que fiz nas diversas correntes do anglicanismo. Acabei utilizando a distinção mais parecida com a que o Rev. Aquino fez em seu livro introdutório ao anglicanismo, visto que, como o público que me questionava a respeito do assunto é evangélico pentecostal, dificilmente entenderiam com muita precisão tais diferenças (eu mesmo, não entendo todas).

    Há alguns que entendem que este "catolicismo amplo" no anglicanismo não pode ser considerado puramente "anglo católico" (estes seria aqueles bem tradiconalistas, que celebrassem um tipo de "rito tridentino em inglês", enfim, uma terminologia que não domino bem). Para os tais, tão somente o fato, por exemplo, de se aceitar a ordenação feminina, já não se seria anglo católico enfim... Acabei classificcando como anglo-católicos somente estes conservadores. Mas de fato, dentro da descrição que fizestes, estes também não aceitaram o convite de Bento XVI. Salvo melhor juizo, de modo geral, somente estes ultra-tradicionalistas têm aceito, penso...

    De qualquer modo, muitíssimo obrigado, Luiz, por ter contribuído com suas idéias por aqui. É uma grande honra para mim. Este blog tem gente de diversas tendências; mas não é oficialmente ecumênico. Por aqui já escreveu um tradicionalista católico (Gederson), um Ortodoxo liberal (Professor Domingos), um evangelical que tem se aproximado do liberalismo (Jefferson Ramalho), um postulante da IEAB, com idéias mais calvinistas (Regis Domingues), o Rev. Leandro da Paróquia de Todos os Santos, lá de Santos, enfim... Um grupo grande de pessoas. Gostaria de convidá-lo, caso tenha tempo e interesse, de escrever por aqui. Minha intenção não é que este blog seja um palco de guerra entre os participantes, mas sim que cada qual escreva um pouco a partir de sua própria tradição, para que todos saiam ganhando com isso.
    Um grande abraço, e muito obrigado novamente.

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