Dialogo sobre as provas 'tradicionais' da existência de Deus

Zózimo = Bispo Ortodoxo
Lucas = Pensador agnósta


Lucas: Penso que se admitir-mos a eternidade da matéria a demonstração tradicional sobre a existência de Deus perde toda sua força.

Zózimo: Apesar disto a hipótese segundo a qual a matéria é eterna não foi constatada pela ciência.

Lucas: Ainda...

Zózimo: Porém, enquanto vosso ainda permanecer de pé, a hipótese de que a existência da matéria tenha sido comunicada por outro ser, é tão digna quanto a hipótese contrária.

Lucas: Neste caso não teriamos razão para abraçar qualquer uma das duas só nos restando suspender o juizo.

Zózimo: Embora ainda não tenhamos obtido uma resposta para o assunto por via experimental ou científica, penso que não seria ocioso refletirmos ou especularmos sobre ele.

Lucas: Neste caso quais motivos vos levam a optar pela hipótese da criação ex nihil face a eternidade da matéria?

Zózimo: Caso a matéria fosse eterna e incriada seriamos levados a concluir que também ela é um aspecto ou estado da divindade, que consciência divina atua sob o meio divino de modo a potencializar ou dar expansão a sí mesma, etc Concluindo por um Deus em estado de formação ou de evolução, procurando superar a si mesmo, saindo de sí para retornar a sí... e por outras tantas hipoteses formuladas por Hegel.

Lucas: Ou seja vosso Deus ficaria comprometido.

Zózimo: Deus não, mas a concepção que dele temos ou sua imagem sim.
Admitindo-se a eternidade da matéria estariamos obrigados a reformular nosso conceito ou nossa noção de um Deus perfeito e acabado e substitui-la pela idéia de um Deus dinâmico, que desafia a sí mesmo e procura superar-se ampliando a esfera de sua consciência.

Lucas: Logo rejeitais a hipotese contrária por mera conveniência.

Zózimo: partindo do fato segundo a qual nosso mundo, conforme o estado de natureza, tende a desintegrar-se e a desaparecer, suponho que deva ter tido um começo.
Pois tudo que tem começo tem fim...

Lucas: A afirmativa acima chocasse contra vossas próprias crenças.

Zózimo: Não percebo como.

Lucas: Vossos espíritos foram criados ou seja tiveram um começo e não terão fim.

Zózimo: É possivel que nossos espíritos sejam fagulhas ou centelhas desprendidas da divindade.

Lucas: Sustentado a doutrina da emanação dos espíritos vos afastais dos dogmas da igreja.

Zózimo: Nem o livro sagrado nem a tradição explicam-nos claramente qual seja a origem do espírito do homem, a qual por isso mesmo não é objeto da divina revelação.
Os rabinos hebreus em seu talmud ensinam a doutrina da criação imediata, recebida apressadamente por grande parte dos Cristãos do tempo presente.
Nada no entanto nos obriga a receber como de Jesus as opiniões disparatadas dos rabinos e sua fábrica de almas...
Tertuliano e Agostinho por exemplo, eram traducionistas e nem por isso deixam de ser citados como autoridades nas disputas entre ortodoxos, romanos e protestantes.
Logo descarto este jugo farisaico e fardo inutil, admitindo como mais provavel que a origem de nossos espíritos corresponda a emanação e não a criação improvisada ou a geração carnal.

Lucas: Mesmo assim é falsa a afirmação segundo a qual a matéria, sob sua condição puramente natural, venha a ter fim, se por matéria designamos as partículas.
O término a qual vos referis diz respeito as estrelas e astros que compõe este universo e não a matéria de que são formados. Nada indica que a energia tenha começado a existir ou que possa vir a deixar de existir.
É a primeira lei da termodinâmica:
"A energia não pode ser nem criada, nem destruida permanecendo sempre constante."

Zózimo: Vosso apelo a primeira lei da termodinâmica nos obriga a recorrer a segunda lei da termodinâmica segundo a qual "O total de energia utilizavel do universo esta diminuindo." pois a energia utilizável converte-se em calor não utilizavel cujos resíduos estão a acumular-se. Supondo que o universo fosse eterno ou a energia utilizavel já teria se esgotado há muito tempo ou sequer estaria passando de um estado a outro mas paralizada e fixa.
Por outro lado se a energia presente no universo passa dum estado a outro é sinal que dever ter começado a passar, exatamente no momento em que começou a ser.
Logo a primeira lei da termodinâmica deveria ser enunciada em termos tanto mais objetivos quanto honestos:
Até onde nos é dado observar, perceber e captar; até onde alcança nossa capacidade experimental a energia permanece constante.
O que não exclui a possibilidade de que tenha tido um ponto de partida e de que venha a ter, como a entrôpia parece indicar-nos, um fim.

Lucas: E no entanto vossa reflexão não comporta experiência ou qualquer dado coletado imediatamente por nossos sentidos.

Zóximo: Tampouco a vossa sobre a eternidade da matéria.

Lucas: Se de fato é assim tornamos ao parafuso pois tanto uma quanto outra possuem o mesmo valor e dignidade.

Zózimo: No plano empírico certamente, mas não no plano metafísico da especulação.
Pois enquanto a vossa carece de toda e qualquer base a nossa tem por base uma realidade espressa pela Lei da entrôpia.
Nossos raciocínios estão embasados na experiência sensivel, os vossos embasados no ar.

Lucas: Sendo assim considerais que a demonstração tradicional sobre a existência de Deus possui fóros de objetividade.

Zózimo: De fato estamos perfeitamente convencidos a respeito da validade das provas que apresentamos.

Lucas: Sendo assim estou disposto a ouvi-las com a merecida atenção e respeito.

Zózimo: A primeira prova diz respeito ao movimento, que como vimos não pode ser eterno.
E não sendo eterno foi produzido por um primeiro impulso.
Pois todo móvel inanimado permanece em estado de repouso a menos que receba algum impulso vindo de fora para mover-se.
Somos pois constrangidos a admitir que Deus imprimiu movimento a este nosso universo sendo ele mesmo seu primeiro impulso e princípio remoto de todos os movimentos específicos.

Lucas: Certamente, caso não haja uma cadeia infinita de impulsos e movimentos particulares, somos obrigados a admitir a existência dum primeiro impulso exterior ao universo inanimado.
Não sendo eterno o movimento só nos resta atribuir-lhe uma primeira causa incausada.
Talvez por isso Platão tenha atribuido a causa do movimento ao demiurgo e Aristóteles desenvolvido o argumento em sua 'Metafísica' (1072)

Zózimo: Passemos pois a segunda demonstração.

Lucas: Estou disposto a ouvir-te.

Zózimo: A existência da substância material exige a existência de um ser responsável por sua produção a menos que fosse eterna e incausada.
Pois não sendo eterna deve ter sido causada.
Por outro lado inexistindo ou não sendo não seria capaz de produzir a si mesma.
Noutras palavras: carecendo de existência o universo não seria capaz de causar-se.
Pois a capacidade de causação é inerente ao ser existente.
Parmênides diria que o Ser não pode proceder do não ser.
Destarte a existência de um universo material numa esfera de temporalidade exige a existência duma causa primeira.

Lucas: Suas palavras parecem-me demasido complexas.

Zózimo: Quero dizer que o universo não poderia ter criado a si mesmo se antes de criar-se inexistia.

Lucas: Logo, como não pode auto criar-se ou criar a si mesmo deve ter sido criado por Deus?

Zózimo: Nem mais nem memos.

Lucas: De fato, caso a substância material não seja eterna somos constrangidos a admitir a existência de uma entidade existente responsável por comunicar-lhe a existência.

Zózimo: Penso não ser possível encontra uma resposta melhor.

Lucas: Examinemos juntos o terceiro argumento.

Zózimo: Tendo examinado o duplo aspecto deste universo> tempo e espaço ou substância, examinemos os seres em particular.

Lucas: Quais seres?

Zózimo: Qualquer ser> um homem, um cão, uma bananeira, um fragmento de rocha...

Lucas: Como és capaz de deduzir a existência de Deus partindo de seres microscópicos por assim dizer face a sua Natureza ou ao próprio universo em que estamos situados?

Zózimo: Responde me cá uma coisa?

Lucas: Sim.

Zózimo: Que pensas a respeito do ser particular ou individual, seria ele necessário devendo forçosamente existir?

Lucas: Confeso jamais ter examinado a questão tanto mais de perto.

Zózimo: Considera pois se tu mesmo és necessário ou desnecessário.

Lucas: Como desnecessário como?

Zózimo: Desejo saber se teus pais foram constrangidos ou obrigados a conceder-te a existência ou se és produto de livre escolha?

Lucas: Julgo ter vindo a existir livrementre por opção voluntária de meus pais.

Zózimo: Logo a possibilidade de que teus pais não viessem a produzir-te existiu ou foi real?

Lucas: Foi uma alternativa. Não posso negar pue poderia não ter sido trazido a existência por eles.

Zózimo: Logo admites que não és um ser necessário e que individuo algum o é?

Lucas: É o que me parece.

Zózimo: Quanto as demais categorias de individuos, que te parece?

Lucas: Parece-me que cada vegetal ou animal poderia não existir ou não ter sido produzido por aqueles que produziram-no.

Zózimo: Percebe como todos os seres criados ou finitos são contingentes i é desnecessários?

Lucas: É o que me parece.

Zózimo: Diante do fenômeno da contingencialidade dos seres temos apenas duas alternativas possiveis.

Lucas: Quais?

Zózimo: Ou admitimos uma cadeia eterna e infinita de seres contingentes ou admitimos que a sucessão dos seres contingentes foi produzida por um ser necessário, eterno, auto existente e incausado, a saber Deus.

Lucas: Excluida a hipótese de que a matéria seja eterna só nos resta concluir com Avicena a favor de um  Ser necessário.

Zózimo: Passemos pois ao quarto argumento.

Lucas: Examine-mo-lo pois.

Zózimo: Não há como observar a natureza e a sociedade sem perceber uma nítida gradação ou hierarquia entre os individuos e suas funções.

Lucas: Penso que seria temerário contrariar os fatos.

Zózimo: Cogitemos que o homem corresponda de certo modo a 'obra-prima' da natureza pelo simples fato de abstrair num gráu bem maior do que todos os outros seres e de ser livre.

Lucas: Parece-me no entanto que o homem seja defeituoso e imperfeito (inda que comporte uma potencialidade para a perfeição), ao menos no plano da vontade e portanto que deva existir um Ser superior a si e portanto perfeito.
Julgo que tal ser foi o responsável por comunicar-lhe tudo quanto possui de bom (o mal, responsável por seu estado de imperfeição é episódico e será aniquilado quando todas as vontades forem corrigidas e se voltarem  para o bem) e a potencialidade capaz de torna-lo perfeito.

Lucas: Devo confesar que vossa argumentação parece plaúsivel.

Zózimo: Quanto ao argumento referente a vigência constante duma lei natural, ja nos referimos a ele e alegamos que permanece de pé mesmo face a eternidade da matéria.
A ordem presente no mundo sensivel constrange-nos a admitir a existência de um Ser ordenador.

Lucas: Caso a 'teoria do Caos' seua ineficaz para explicar a existência do universo, impõem-se com evidência evidente a existência de Deus.

Zózimo: Caso a constância das leis que regem este universo não significassem  um argumento poderoso e favorável a existência de Deus, os cientistas ateus não teriam abandonado o materialismo mecanicista com que durante dois séculos haviam atacado inutilmente a religião ou o teismo.
Eis porque abandonaram o materialismo mecanicista (pela constância ou estabilidade implicada nele) e construiram essa nova 'Teoria do Caos" conforme sua crença ateistica mas em oposição a experiência sensivel capaz de perceber a existência de certa ordem, estabilidade, constância e harmônia ao lado da tão decantada desordem.
Mesmo porque, como disse Hawking, se o microcosmo é caracterizado pela indeterminação, o macrocosmo parece irredutivel a ela e governado por relações constantes designadas sob a alcunha de leis naturais.

Lucas: Estamos pois entre Silla e Caribdes pois não podendo negar a existência de certa ordem presente no universo hesitamos em afirmar publicamente que semelhante ordem tenha sido produzida pela desordem... pelo acidente ou pelo nada.

Zózimo: Eis porque optamos decididamente pela existência dum ordenador sábio e poderoso.

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