Pequeno dialogo sobre a origem do espírito

Evódio = Bispo Ortodoxo
Carlos = neófito


Carlos: Evódio, pai e mestre no Senhor Jesus Cristo Mestre dos mestres, diz-me o que devo crer sobre a origem do espírito humano.
Evódio: Estimado filho em Jesus Cristo Senhor Nosso, a honestidade obriga-me a confesar que a fé ortodoxa nada ensina de positivo a respeito da origem do espírito humano.
Carlos: Tuas palavras são motivo de grande espanto para mim.
Evódio: Declara sem receio a causa do espanto que te aflige.
Carlos: Acaso não ouviste tu mesmo douto Evódio, da boca dos presbiteros e Bispos da Igreja, que a doutrina segundo a qual o espírito humano é produzido diretamente por Deus no primeiro instante da concepção é um dogma sacratíssimo de nossa fé?
Evódio: Inumeras vezes ouvi das bocas de Bispos e presbiteros indoutos semelhante afirmação. Para nós ortodoxos no entanto não há lider, chefe ou Papa infável, nosso Papa é por assim dizer a tradição dos Padres e a concordância ou idjima no que tange aos ensinamentos.
Carlos: Esclarece-me pois e declara porque a doutrina da produção imediata da alma não pode ser recebida por nós como um dogma de fé?
Evódio: Simples. Porque nem nos sacrossantos Evangelhos nem em qualquer outro registro neo testamentário o Salvador bendito ou seus procuradores, os apóstolos, afirmaram qualquer coisa de positivo sobre a origem do espírito humano.
Diante disto só nos resta examinar a tradição com o intuito de averiguar se nossos doutores e padres estavam de acordo sobre o assunto.
Pois caso estejam de acordo é sinal que os apóstolos ministraram oralmente algum ensino sobre a origem do espírito humano, por outro lado, caso a tradição esteja em desacordo é sinal que nem os apóstolos, nem Jesus Cristo ensinaram qualquer coisa a respeito.
Quando o livro sagrado 'cala' ou silencia por assim dizer e a tradição varia, não há nem pode haver dogma ou artigo de fé.
Do contrário as autoridades divergentes teriam sido acoimadas de heresia pelas demais.
Carlos: Quer dizer que nem todos os padres e doutores ortodoxos estavam de acordo a respeito da origem do espírito humano?
Evódio: Exatamente. Justino, Clemente, Origenes e outros, influenciados por Platão, afirmaram que a alma preexiste, sendo oriunda de um outro mundo anterior ao nosso e com isso evitaram a questão da origem remota do espírito humano ou como se diz, empurraram-na com a barriga...
Por outro lado Tertuliano, Agostinho, S Gregório de Nissa e S Theodoro de AbuKhara, ensinaram positivamente que a alma é engendrada e transmitida pelos pais, a exemplo do orador latino Cícero, esta doutrino recebeu o nome de Traducionismo e no caso de Tertuliano e Agostinho, que eram dicotomistas, assumiu um cárater francamente materialista.
Agostinho escreveu a Jerônimo que sua teoria a respeito do pecado ancestral dependia do traducionismo por uma questão de coerência.
Os latinos - romanos e protestantes - associando a doutrina pessimista do pecado original a tradição judaíca da criação imediata do espírito humano, cairam em contradição, pois de o espírito imaterial procede de Deus é puro como Deus é puro, recebendo a iniquidade por sua união com o corpo material, o que comporta maniqueismo...
Seja como for os padres da igreja não estão de acordo a respeito da questão.
Carlos: Julgo ter ouvido vossa beatitude referir-se a doutrina da criação imediata da alma como a uma 'tradição judaica' que quer dizer com isto?
Evódio: Quero dizer, honorável filho, que nem o Senhor Jesus Cristo nem seus vigários e amuenses, os apóstolos, ensinaram qualquer coisa a respeito, do contrário todos os homens ilustres da igreja teriam recebido o ensino do Salvador e de seus apóstolos como algo divino.
Agostinho no entanto revindicava submissão quanto ao comum e liberdade quanto ao particular e obscuro ou seja quanto a elaboração da teologia.
Carlos: Logo, a doutrina segundo a qual o espírito humano é criado imediatamente por Deus não passa duma opinião ou teoria judaica.
Evódio: Sem sombra de dúvida.
A doutrina da criação imediata da alma faz parte daquele grupo de ensinos judaicos recebidos como sagrados pelos escribas e fariseus que Nosso Senhor Jesus Cristo classificou como 'tradições humanas' isentas de qualquer valor e desprovidas de toda autoridade no que tange a Igreja de Deus, Santa, Apostólica, Católica e Ortodoxa.
É lamentável que superstição tão grosseira tenha infiltrado-se na congregação de Jesus Cristo.
Nós no entanto não recebemos dogmas procedentes da Sinagoga.
Carlos: Que dizem os rabinos a respeito da origem do espírito humano?
Evódio: O Talmud declara explicitamente que o deus dos judeus possui duas máquinas ou cornucópias celestiais, uma com que fabricava o maná e atirava-a aos pais enquanto peregrinavam pelo deserto em demanda de Canaã e outra com que fabrica cada alma humana no momento mesmo da concepção fazendo com que imprima cárater ao corpo físico.
Carlos: Tenho ouvido dizer que a opinião dos hebreus a respeito da origem do espírito humano esta fundamentada em seus livros sagrados, a saber, no livro do Gênesis, onde está escrito que deus insuflou a alma vivedoura no primeiro homem.
Evódio: Acontece que nós não recebemos os escritos e opiniões dos judeus como divinos, sagrados e normativos em todas as suas partes. Do contrário deveriamos aceitar uma aluvião de erros em matéria de profanidades como a criação mágico/fetichista, gigantes, genocídios, palavrões, machismo, etc o que transformaria a instituição cristã num amontoado de dogmas podres, irracionais e repugnantes.
Nós nos contentamos em receber como divinos e sagrados todos os oráculos e profecias pertinentes a vinda do instrutor perfeito e infálivel, Jesus Cristo, e dele somente, bem como dos apóstolos que instruiu, recebemos a doutrina Cristã, pura e sem contaminações...
No entanto caso admitais a falsa doutrina da inspiração verbal, plenária e linear; deveis estar cientes de que Tertuliano e Theodoro também eram partidários dela e que conheciam muito bem o referido texto do Gênesis.
Carlos: Neste caso como conciliavam-no com a opinião traducionista?
Evódio: Agostinho respondeu a seus adversários que de fato Deus havia produzido imediatamente o espírito do primeiro homem: Adão, cabendo porém a Adão propagar e transmitir o mesmo espírito a seus descendentes por via de geração natural. Portanto a criação 'ex nihil' do espírito ocorreu apenas uma vez, com Adão, ao invés de acontecer repetidamente no instante mesmo em que cada novo homem é engendrado.
De minha parte julgo que a opinião dos tradicionistas é bem mais sensata, elevada e nobre que a opinião dos antigos hebreus que vinculavam a produção de cada nova alma a uma intervenção divina.
Opinião que por sinal é inconciliavel com a crença dos sacerdotes, segundo a qual, deus havia se fatigado após a criação do mundo e tirado uma soneca...
Admitindo-se a doutrina da criação imediata do espírito humano, deus não conhece repouso... pois a cada segundo tem de fabricar uma alma novinha em folha.
Apresentar semelhante disparate como uma dogma fundamental do Cristianismo é trabalhar contra a expansão da verdade em meio as sociedades mais esclarecidas.
Eis porque o Cristianismo estertora já na Europa cedendo passo aos extremos do ateismo e do islamismo ou a propaganda agnóstica.
Carlos: Podemos pois admitir o traducionismo?
Evódio: O traducionismo corresponde a verdade caso - como tricotomistas que somos - aplique-mo-lo a alma enquanto entidade semi-material.
No entanto ela é de todo impotente e inutil para fornecer-mos qualquer explicação a respeito do terceiro elemento humano, o espírito, cuja natureza é simples e imaterial.
Carlos: Neste caso como explicar a origem do espírito imaterial?
Evódio: Naturalmente que não podemos recorrer ao traducionismo e tampouco ao criacionismo, com o intuito de esclarece-la.
Quanto a origem do espírito humano devemos lançar tanto o criacionismo quanto o traducionismo para longe de nossas mentes e buscar uma solução tanto mais conforme a razão, sem no entanto pretender estar em posse da verdade divina e dogmatizar a respeito.
Trata-se sempre e apenas duma hipótese... ou seja duma entidade meramente especulativa.
Uma vez que Jesus nada nos revelou sobre o assunto é perfeitamente lícito silenciar e curvar-se perante a sacralidade do mistério.
Carlos: Trata-se no entanto duma questão que sempre é posta pelo intelecto diante de mim...
Evódio: Podemos supor que o mesmo Deus capaz de mergulhar em si mesmo numa relação Trinitária, de produzir em si mesmo um mundo já material, ja livre e de dialogar com o mundo criado através do mistério da Encarnação, foi perfeitamente capaz de cindir-se em inumeras fagulhas e centelhas com o intuito de animar o interior dos seres que produziu, quando alcançassem certo nivel de complexização vital.
Carlos: Queres dizer que nossos espíritos são como que partes saidas de Deus?
Evódio: Estou firmemente persuadido de que nossos espíritos procedem do Espírito infinito mesmo por via de emanação segundo uma disposição eterna.
Carlos: Caro Padre diz-me como a emanação seria possivel?
Evódio: Diz-me primeiro como a Trindade é possivel em relação com ao ser 'simples espírito'? Como a criação é possivel face a transcendência? & como a Encarnação é possivel frente ao conceito de ilimitação?
Fossemos judeus ou maometanos poderiamos tentar iludir os homens e repudiar o mistério...
Acontece que a Trindade e a Encarnação sempre continuarão sendo o que são...
É de todo inutil ao homem religioso regeitar a presença real de Jesus Cristo na eucaristia, a Trindade, a Encarnação, etc
Neste caso até mesmo a criação deveria ser repudiada e destarte a existência mesma do mundo material...
Tudo recurso inutil...
Há Deus, há mistério...
Pois caso pudesses explicar Deus sem que restasse algo de incomprenssivel ou ele não o seria ou tu o serias...
Carlos: Sou constrangido a concordar contigo douto pai.
Como podemos pretender apresentar a hipótese da emanação como absurda e inaceitável se somos trinitários e partidários da Encarnação de Deus, doutrinas que por assim dizer ultrapassam sobejamente nosso parco e limitado entendimento?
Uma religião que comporta mistérios e opoem-se ao mistério entra em contradição consigo mesma.
Evódio: Concluimos pois que procedemos de Deus, dele recebemos o dom da liberdade e a ele regressamos livremente, conquistados pela mensagem do amor revelada na Cruz de Jesus Cristo.
Carlos: Que é pois o Cristianismo?
Evódio: É a senda que nos faz recobrar a consciência, que nos restaura no bem e que nos faz retornar ao Uno, ao seio do Pleroma.


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