Reflexão acerca do fim do mundo

O texto abaixo pertence à Carlos Eduardo Calvani, clérigo anglicano.

Próprio 27 (Domingo mais próximo a 09/11)


Amós 5.18-24; I Tessalonicenses 4.13-18; Salmo 70; Mateus 25.1-13



Muita gente tem obsessão pelo fim do mundo. De tempos em tempos reaparecem previsões baseadas em textos de diferentes culturas anunciando o fim de tudo. Isso sempre aconteceu na história. Na idade-média muitos apareceram marcando datas para o fim. Os adventistas já marcaram datas diferentes e sempre que as datas passam, reaparecem com uma nova interpretação. Recentemente alguns marcaram o fim do mundo para o dia 21 de outubro deste ano. Agora estão dizendo que foi um erro de cálculo e que na verdade, está marcado para 21 de outubro do ano que vem.

Uma das melhores observações que li sobre essas datas dizia o seguinte: “O fim do mundo foi cancelado no Brasil... chegou-se à conclusão de que não possuímos estrutura para a magnitude de tal evento; além disso, a Globo, Record e a FIFA não chegaram a um acordo sobre os direitos de transmissão e Dilma Roussef não quer liberar recursos do FGTS para a cerimônia”.

Brincadeiras à parte, esse é um tema que merece uma séria abordagem que não se perca em especulações vãs, nem nos faça perder o foco da essência do ensinamento cristão.

Muitas pessoas têm verdadeira obsessão para com esse tema. Há grupos que elaboram mirabolantes explicações sobre o Dia do juízo do Senhor, escrevem longos livros sobre o assunto, organizam palestras e simpósios, compõem canções de péssimo gosto tais como “O Rei está voltando” e produzem filmes sobre arrebatamentos súbitos e outras bobagens. Esse tipo de especulação, ao invés de produzir consolo e esperança, causa medo e promove ansiedade em muitos corações, algo bem diferente do ensinamento que lemos hoje, de Paulo aos tessalonicenses: “consolai-vos uns aos outros com essas palavras” (I Ts 4.18).

O curioso é que todas as linhas religiosas que gostam de explorar esse tema, por mais diferentes que sejam suas teorias e especulações, trazem algo em comum. O Dia do juízo sempre é apresentado como algo pelo qual se deseja e se espera porque, nesse dia os “maus” e os “ímpios” serão castigados; e os “maus” ou “ímpios” são sempre outros - os ateus, os que professam outra religião, os que rejeitam a Cristo, os que não concordam conosco, etc. O Dia do Senhor parece já ter agenda montada por esses cristãos. Eles parecem saber certinho tudo o que acontecerá. A pauta já está prevista e o Senhor tem que seguir esse script, tal como anunciado pelos pregadores. Podem observar que todas as pessoas que anunciam o fim do mundo, o arrebatamento ou a volta de Cristo sempre concluem que eles serão salvos e todos os que são diferentes terão que experimentar alguma tribulação ou acabar no inferno.

Nos tempos de Amós também era assim que os alguns pregadores, sobretudo os profetas da corte, anunciavam o Dia do Senhor. Diziam que o dia do Senhor seria de luz e glória para Israel. Seria o dia em que os inimigos de Israel seriam julgados. Era o esperado dia em que os inimigos seriam dominados por Israel ou destruídos por seus exércitos. O anúncio do “Dia do Senhor” funcionava como uma espécie de “ideologia de segurança nacional.” Nos lábios desses pregadores não havia qualquer crítica à ideologia do estado ou às injustiças cometidas pelos líderes do povo.

O profeta Amós, porém, não partilhava da mesma opinião. Ele não fazia parte do grupo de profetas da corte. Ao contrário, era um homem do campo, boiadeiro e plantador de figos (Amós 7.14). Ele não fazia parte do “clero” da época. Era um leigo. Não era nem teólogo. Mas Deus não precisa de teólogos para se revelar. Deus se revela muito mais é através da sensibilidade de artistas, tais como os compositores que entoamos hoje. Que belo é ouvir profetas como Raul Seixas anunciando a reconciliação final: “olha o céu... já não é o mesmo céu que você conheceu... é um céu cravejado e rajado suspenso no ar... olha, lá vem Deus deslizando no céu entre brumas de mil megatons... e olha o mal... vem de braços e abraços com o bem num romance astral...’

Amós também não era teólogo nem sacerdote nem profeta profissional, mas foi através dele que Deus disse palavras duras aos sacerdotes e profetas de sua época: “Ai daqueles que desejam o Dia do Senhor. Por que vocês tanto esperam esse dia, se ele será de trevas, e não de luz?”

Amós estava na contramão de todas as pregações sobre o juízo. Se observarmos a continuidade do texto, perceberemos que o dia do Senhor significa juízo, em primeiro lugar para o próprio povo de Deus que conhecia a aliança, mas não cumpria os mandamentos, nem buscava a vontade de Deus. Por isso Amós criticava o culto, a liturgia, as vestes sacerdotais, os rituais e sacrifícios, e até mesmo a música e os hinos. Para ele, toda essa pompa servia como cortina para ocultar a política de bastidores e a opressão que os ricos causavam aos pobres.

O resumo da mensagem de Amós é que Deus nos julga sim, mas que podemos nos enganar alimentando uma autoconfiança baseada em nossa própria justiça ou em nossos possíveis méritos, porque o Dia do Senhor certamente trará muitas surpresas.

É preciso entender que a linguagem das Escrituras quando aborda esses temas nunca é literal. Por isso, o “Dia do Senhor” não é simplesmente o último dia cronológico do calendário. Nós contamos o nosso tempo de acordo com nossa compreensão do movimento dos astros, mas o plano da eternidade está muito acima dessa limitação astrofísica. As Escrituras ensinam que um dia para Deus, é como mil anos e mil anos são como um dia. Ou seja, o “Dia do Senhor é sempre e todas as pessoas que morrem se encontram com Deus no “Dia do Senhor”, indiferente do tempo cronológico em que morreram. Desse modo, todos os momentos individuais de morte neste tempo em que vivemos conduzem-nos diretamente para este “Dia do Senhor” no plano da eternidade. Se para Deus não há este tempo terreno da seqüência dos seres humanos, então todas as pessoas encontram-se com Deus ao mesmo tempo, ou seja, no tempo de Deus, da presença da eternidade, não importando em que tempo terreno elas morreram.

Por isso as Escrituras sempre nos alertam para estarmos preparados para o Dia do Senhor porque, este é simplesmente, o Dia do nosso encontro definitivo com Deus, e jamais saberemos quando ele chegará. Pode ser hoje, amanhã, daqui a 10 ou 20 anos. Não importa. Mas ele chegará, como diz a Bíblia “num instante”, “repentinamente”, tal como diz o cântico que entoamos hoje, composto a partir das palavras de Jesus: “Então verá o Filho do homem vindo sobre as nuvens com poder e glória, porque assim como um relâmpago (repentinamente) que sai do Oriente e se mostra no Ocidente, assim há de ser a vinda do Filho do Homem”.

Toda essa linguagem figurativa sobre a vinda de Jesus evocando o simbolismo das nuvens expressa simplesmente o fato de que devemos estar preparados para nosso encontro definitivo com a glória de Deus.

A parábola contada por Jesus no evangelho de hoje traz esse ensinamento muito simples. Há vários símbolos aqui - “Noivo” é uma dos símbolos de Jesus, e a festa de casamento é outro símbolo do que Deus prepara para nós – Deus nos chama a uma comunhão eterna, a uma festa eterna, e esse convite não é só para alguns, mas para toda humanidade. Contudo, não podemos tratar com negligência esse convite, mas devemos estar sempre preparados, porque não sabemos qual a hora em que soará o nosso chamado.

A grande mensagem da Parábola é a de que todos somos chamados a participar plenamente no Reino de Deus. Contudo, não podemos ser negligentes e tratar o Reino de Deus como se fosse uma festa qualquer. Nesse momento, a surpresa maior será a revelação daquelas pessoas que trataram com negligência essa festa que Deus está preparando para a humanidade.

Finalmente, quero dizer-lhes que, dessa conversa toda em torno do “fim do mundo” podemos pelo menos extrair algumas lições:

A primeira lição é compreender que pessoas que ficam muito excitadas com notícias de terremotos como os que aconteceram recentemente no Haiti, Chile e Turquia, ou de novos vírus e epidemias que ameaçam a humanidade e saem dizendo “ta vendo? É sinal do fim do mundo” são pessoas medíocres e insensíveis, que se alegram com essas notícias porque certamente não são elas que tiveram suas casas destruídas ou que não têm nenhum parente nos escombros.

A segunda lição é que, quem fala muito em fim-do-mundo é porque não gosta de nosso mundo, não aprecia a natureza, as águas, os rios, o ar puro, e preferem que tudo isso seja destruído. Pessoas assim só merecem nossa piedade e compaixão, porque seu mundo já é tão medíocre, pobre, fútil e vazio que até seria bom mesmo que fossem arrebatadas para sofrerem o purgatório de sua insensibilidade até que sejam salvas de si mesmas, porque elas não fazem falta ao nosso mundo;

A terceira lição é que, para essas pessoas, talvez o fim-do-mundo esteja chegando sim. Ao invés de lutarem contra as catástrofes que nos ameaçam e se alegrarem com os avanços já conquistados na luta pelos direitos humanos, elas se lamentam. Ouvi frases assim quando o STF reconheceu a união civil estável de pessoas homoafetivas e ouvi novamente quando participamos da Marcha pela Diversidade. Tinha gente boquiaberta dizendo: ´”é o fim do mundo...”. Eu até recebi um email dizendo isso e respondi: “Que bom! Que acabe logo esse velho mundo que vocês dominaram”. Então, nesses casos, alegremo-nos, porque tais avanços são realmente sinais de que o velho mundo dominado por elas e no qual imperou o preconceito e a injustiça, está acabando e não haverá espaço para elas no novo mundo, se não se converterem.

Por isso, diante da profundidade dos textos que lemos hoje, o que temos que fazer é nos perguntar: “estamos preparados para o novo mundo que está sendo construído?”

Lembremo-nos das palavras do profeta Amós: “Ai de vós que esperais pelo Dia do Senhor; para vocês, ele será de trevas, e não de luz.”

Rev. Carlos Eduardo Calvani

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