Confisões escatológicas de um filho do de Deus...






Na semana passada estava eu aguardando o coletivo que conduzir-me-ia a repartição em que trabalho.

E enquanto aguardava ponderava a respeito de diversas questões e assuntos... Divagava por assim dizer...

E enquanto divagava assentou-se junto a mim um ancião decrépito.

E tendo tomado assento a meu lado, sorriu, abriu uma pasta de couro da qual retirou um folheto publicado pela S T V (W T). E sorrindo ofereceu-me a dita publicação em nome de jeová, seu deus.

Declinei e disse que semelhante tradução não correspondia a palavra inspirada do Deus Jesus Cristo, consignada pelos apóstolos na lingua dos gregos.

Redarguiu o ilustre varão dizendo que os brasileiros ignoravam supinamente a lingua dos gregos.

Respondi dizendo que justamente por isto ignoravam supinamente a sã doutrina, em decorrência do que engrossavam as fileiras do Vaticano ou da Reforma.

Após pensar durante algum tempo respondeu-me o 'apóstolo' alegando que Jerônimo havia posto a Escritura no latim e Tyndale em inglês para que as pessoas pudessem le-las.

Respondi e disse que era um laço de engano, perdição e corrupção doutrinária por nem Jerônimo, nem Tyndale, nem Lutero, nem Almeida, nem Valera, nem Smith ou qualquer outro tradutor fora coadjuvado por Deus e inspirado por Jesus Cristo, resultando disto que não passavam de 'versões' ou cópias HUMANAS, DEFEITUOSAS E FALÍVEIS da palavra divina de Jesus Cristo.

Perguntou-me pois o ancião intrigado, onde se achava a tal palavra de Deus?

Redargui e disse que se encontrava onde sempre esteve nos manuscritos e códices gregos, conservados, reverenciados e estimados pela Cristandade Oriental, Santa, Católica e Ortodoxa, fixadas junto aos troféus e memórias dos abençoados apóstolos Mestres da fé imaculada e pura.

Respondeu-me o catequista improvisado que jeová havia comissionado a organização do Reino para dar continuidade a obra de Jerônimo, Tyndale e Lutero (em certa medida isto é verdade) traduzindo infalivelmente a palavra de deus e divulgando-a entre as nações.

Disse-lhe que muito antes dos jeovistas os puritanos haviam conferido a infalibilidade a KJV e antes deles os papistas a Vulgata de modo que a manobra de passar 'traduções humanas e falíveis' era já bastante antiga, além de eficiente.

No entanto, atalhei, caso a tradução fosse divina ou executada por deus, os nomes de Tyndale, Lutero,  Almeida ou Figueiredo, que eram homens faliveis como eu e ele, não constariam no frontispício.

Muito espertamente nosso homem respondeu e disse alegando que a T M N não ostentava o nome de qualquer autor humano.

Sorri e declarei que nem por isso os autores humanos da dita tradução deixavam de ter existência real e puramente humana...  a menos que tivesse sido entregue pelos anjos ao juiz Ruterford ou encontrada em placas de ouro junto ao Monte Cumorah...

Asseveou-me no entanto o bom homem que em sua tarefa o 'corpo governante' fora assistido pela força ativa de jeová deus, que é como tais sectários se referem ao Santo e vivificante Espírito de Profecia, puro, imaculado e perfeito...

Arrematei a conversação asseverando preferir o 'original defeituoso' e o estudo da lingua dos gregos, do que dar crédito a qualquer 'tradução infalivel e perfeita' executada no ocidente pelos papas, reformadores ou profetas...

Decepcionado nosso homem guardou o folheto na pasta donde havia sido retirado e lançou-me um derradeiro repto: O senhor sabia que após a ressurreição da carne o homem viverá aqui mesmo na terra???

Desta vez quem sorriu fui enquanto lhe dizia: Para mim onde Jesus Cristo puzer seus Santos, na terra, nas nuvens, no Sol, na Lua ou debaixo da terra, estarão eles muito bem postos... e eu não tenho nada que criticar ou opinar a respeito das coisas que o Cristo em sua sabedoria executara no mundo vindouro.

E tampouco nutro qualquer tipo de curiosidade mórbida a respeito que me leve a pescrutar fanaticamente os registros em busca de detalhes a respeito dum fim que será disposto pelo Bom Senhor Jesus Cristo.

Quando o coletivo que devia tomar chegou ao ponto, estava nosso homem a doutrinar uma pobre Sra, certamente ainda mais ignorante do que ele.

Parecia-me que a pobre filha do século, fetichista ou indiferente em matéria de religião, ouvia com mortificação e apatia as exortações do ministro divinamente comissionado; limitando-se ora a rir, ora a bufar; sem no entanto contraria-lo, talvez por respeito aos cabelos brancos e a provecta idade de 91 anos!!!

Pouco antes de subir os degráus do coletivo ainda pude ouvir o 'ancião dos dias' falando em cabeças e chifres, e bestas, e cataclismos e tudo interpretando conforme as brochuras da W T parecendo-me que havia decorado quase tudo, afinal chegou a recitar trechos inteiros permeados por dúzias de versículos extraidos do apocalipse...

Suas últimas palavras foram palavras de ódio e condenação endereçadas ao papismo, a igreja ortodoxa, ao espiritismo, a própria reforma (que irônia), ao liberalismo econômico, ao Comunismo, a maçonaria, etc apresentando tudo isto como filhas da 'grande babilônia' e profetizando o aniquilamento de tudo por vingança de jeová deus...

Antes de subir ao onibûs não pude deixar de dizer-lhe: Amigo, trata de ler as bemaventuranças e de cumpri-las segundo o precito daquele que disse: Amai-vos uns aos outros como eu vos tenho dado exemplo.

Gritou ele: Jovem do que o mundo precisa?

E respondi da porta que se fechava: --- Precisa viver o Evangelho, cumprir as bemaventuranças e imitar o exemplo legado por Jesus Cristo e não de novas doutrinas, verdades e revelações pura e simplesmente inuteis. Precisa de obras que patenteiem sua fé...

Há muitos anos já tenho observado e concluido que o 'apocalipticismo' é um fenômeno social assimilado pelos fariseus e que nada possui de genuinamente Cristão.

Recebeu-o a Cristandade primitiva com toda 'ganga' ou matéria impura que lhe fora transmitida pelo judaismo farisaico: curandeirismo, profetismo, predestinaconismo, maniqueismo, iconoclasticismo, conformismo político, escravismo, machismo, homofobia, belicosidade, platonismo, etc

E veio, o apocalipticismo, a constituir um de seus achaques mais perniciosos...

Infecção, doença, enfermidade que ataca e corrompe o sangue, os nervos e os ossos da instituição Cristã até a mêdula, o apocalipticismo precisa ser denunciado e superado para que a Cristandade reverdeça e cumpra seu designio que é a restauração deste mundo; não por obra de destruição, aniquilação ou catastrofe como anseiam os jeovistas mas pelo triunfo da justiça, da verdade, do bem, da honestidade, do amor, etc ou seja dos princípios, valores e virtudes propostos pelo Evangelho do Senhor Jesus Cristo.

Digo isto porque os adeptos do apocalipticismo, seduzido pelas loucuras dos fariseus e dos antigos persas e dos platonizantes, estão convecidos de que o Evangelho de Cristo esta posto para a fragilidade, a crise, a derrota, a corrupção, a perdição e a condenação; enquanto nós estamos convecidos do extremo oposto: de que este Evangelho de Glória esta posto para poder, avanço, regeneração, triunfo e vitória de tudo quanto é bom e para a completa aniquilação de tudo quanto é mal pela correção da vontade humana e sua adesão a vontade divina.

Sendo o Evangelho uma Boa Nova não podemos entender as coisas doutro modo, ou seja, como uma má notícia para os filhos dos homens...

Pensamos pois que semelhante pessimismo foi introduzido na pregação e no anúncio por obra e graça dos fariseus chegando inclusive a contaminar e a obscurecer a pregação dos Santos apóstolos, formados no seio da cultura judaica ou farisaica presa dum apocalipticismo já agudo, já crônico.

Quem pensa ou crê doutra forma atribua, se tiver ousadia suficiente, o servilismo político, o conformismo social, o machismo e outros 'senões' da catequese paulina ao Verbo Encarnado no seio de Maria.

Efetivamente certa doutrina fetichista e grosseira no que concerne aos registros sagrados, determinou que Cristo fosse pintado com as cores de Paulo e que tudo quanto Paulo e os demais apóstolos ensinaram e disseram fosse atribuido ao próprio Jesus Cristo, sem atinar que os apóstolos, como homens que eram, estavam inseridos numa determinada cultura.

Eis como paulatinamente o truculento jeová substitui o meigo e divino Jesus Cristo diluindo a revelação divina nas fábulas hebraicas e revertendo o Evangelho ao Pentateuco. Se de fato foi subvertida a fé não cremos que tenha sido apenas por obra dos papas como dizem muitos, mas por obra e graça dos próprios apóstolos e dos crentes procedentes do judaismo...

A subversão ou inversão funesta não consistiu em por de lado a Bíblia como insistem os protestantes, se com isso queremos dizer as instituições vetero testamentárias pertinentes ao judaismo; mas exatamente por atribuir-lhes excessivo valor a ponto de se perder de vista uma distinção crucial: O velho e o Novo Testamento.

A própria idéia dum livro que vai do gênesis ao Apocalipse numa perspectiva linear, plenária, verbal e fetichista colaborou mais do que qualquer outra para a descaracterização do Cristianismo no sentido de aproxima-lo do judaismo e do islamismo qual fosse uma terceira e paralela corrente ou versão do decantado monoteismo semita.

Por obra e graça desta confusão, o apocalipticismo, reinante nos meios farisaicos passou as nascentes do Cristianismo produzindo a um tempo uma consciência assombrada e negativa perante o mundo e uma sociedade que imaninava irreformável e incorrigivel, e o outro uma expressão literária e até certo ponto plagiada: o livro do apocalipse, que é o livro menos Cristão de todo Novo Testamento...

Nem se supreenda o amigo leitor que ao menos neste ponto esteja de pleno acordo com Martinho Lutero, pois sem negar qua hajam algumas passagens inspiradas e divinas no dito livro, limito-me a fazer éco as críticas tecidas pela patrística grega, principiando pelo abençoado Dionísio de Alexandria, segundo refere o preclaro Eusébio na História Eclesiástica. Nem é segredo para quem quer que seja que este livro jamais é lido em nossa Hierurgia e que foi recebido entre os registros cerca do século VIII por influencia da igreja latina.

Seja como for, mesmo contendo certas passagens autênticamente Cristãs, como as que dizem respeito as obras e ao livre arbítrio, a leitura compulsiva deste livro executada por pessoas simples e despreparadas só tem servido para subverter o Cristianismo até os fundamentos, já por ter produzido uma multidão de seitas e conventículos de puros e eleitos, já por ter contribuido mais do que qualquer outra leitura ou fator para afastar os Cristãos e a Cristandade de sua meta essêncial: A vivência dos preceitos Evangélicos i é a prática das bemaventuranças.

Significou o triunfo do Apocalipticismo face ao Cristianismo uma transformação fatal, a substituição do sentido da 'praxis' tão caro a Jesus Cristo e por assim dizer vital, pelo sentido teórico da especulação ou da fé... Implica o apocalipticismo em dedicar um tempo considerável a analises, estudos e cálculos pertinentes ao futuro distante e obscuro que nada contribuem para o exercício das virtudes cristãs e ao serviço fraterno.

Dedicam-se os adeptos desta ideologia funesta, incontaveis horas ou dias a estudar um único versículo do apocalipse ou a desvendar uma única figura enquanto os membros vivos de Jesus Cristo perecem sem qualquer tipo de assistência nas garras da fome, da sede, da nudes e de diversos tipos de sofrimentos... donde se vê que toda esta geografia minuciosa do além túmulo, chamada escatologia, é um tipo de conhecimento tosco para não dizermos prejudicial quando levado as minudências.

E semelhante casta de pessoas faz depender de tais fábulas a união da alma com Jesus Cristo sem cogitar do essencial que são as bemaventuranças ou as obras da fé viva e frutos da caridade.

E não são poucos dentre eles os que consideram-se privilegiados devido ao conhecimento duma figura ou símbolo, ignorado ou melhor interpretado de modo diverso por todos os outros; e se maldizem e excomungam porque não há acordo entre os intérpretes de tais figuras... e formam seitas e partidos disputando a respeito dum suposto milênio inventado pelos fariseus ou de supostos cataclismas e terrores; desejando saber se tais eventos precederão ou sucederão o advento do Mestre amado. E gastam muita tinta e papel em disputar sobre tais questões mesmo sabendo que o divino Jesus atribuiu-lhes muito pouco valor preferindo silenciar a respeito.

Pois ao ser indagado sobre tais coisas nosso Mestre preferiu lograr, dizendo que nada sabia; não porque nada soubesse - pois sendo aquele que tudo sabe, nada ignora - mas apenas e tão somente porque não desejava relatar ou dizer qualquer coisa a respeito dos tempos futuros e da sorte deste nosso mundo sublunar. E se não quiz dizer algo, ele que tudo veio revelar e dizer de util e bom, é justamente porque a posse de tais conhecimento não haveria de proporcionar qualquer tipo de beneficio ou vantagem aos filhos dos homens.

Eis porque os emissários disseram aos abençoados apóstolos: -- Não fiqueis ai parados olhando para o céu, este mesmo Jesus regressara qual subiu. E bem poderiam ter acrescentado: ao invés de ficar parados e inertes cogitando a respeito dos tempos futuros tratai de por em prática tudo quanto foi ensinado por ele e de viver como ele mesmo viveu consagrando cada instante de sua vida ao serviço fraterno.


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