Em Busca de Sentido.



Regis Augusto Domingues * 

Mas, quando pensei em todas as coisas que havia feito e no trabalho que tinha tido para conseguir fazê-las, compreendi que tudo aquilo era ilusão, não tinha nenhum proveito. Era como se eu estivesse correndo atrás do vento... Por isso, a vida começou a não valer nada para mim; ela só me havia trazido aborrecimentos. Tudo havia sido ilusão; eu apenas havia corrido atrás do vento. Eclesiastes 2: 11 e 17


Certa vez, uma pessoa desanimada e achando a vida empalidecida ficou por alguns minutos observando os livros que compõem minha biblioteca, passando os olhos de prateleira por prateleira perguntou-me: Para que e porque tantos livros? Pensei por um instante. Observei a gama de temas tratados naqueles livros e não pude deixar de responder o que refletia minha própria alma: Essa quantidade de livros e mais a inúmera quantidade de produções intelectuais e livros que são publicadas diariamente, é nada mais nada menos que o ser humano em busca de sentido. São homens e mulheres em busca de significado para a vida. Queremos respostas para contentar os desgostos de nossa frágil existência.

O psicanalista norte-americano Rollo May, um dos expoentes da Psicologia Existencialista, escreveu: “Pode surpreender que eu diga, baseado em minha prática profissional, assim como na de meus colegas psicólogos e psiquiatras, que o problema fundamental do homem, em meados do século XX, é o vazio.” (O homem à procura de si mesmo, Ed. Vozes). Também Carl Gustav Jung, pai da Psicologia Analítica, em um de seus escritos faz a seguinte citação: “O problema de cerca de um terço de meus pacientes não é diagnosticado clinicamente como neurose, mas resulta da falta de sentido em suas vidas vazias”. Parece-me que há uma insatisfação geral em nosso coração quanto a nossa existência. Por mais que corramos atrás de algo nesse mundo, por mais valoroso que seja, é, na reflexão do escritor do livro de Eclesiastes, como correr atrás do vento.

Especialmente neste tempo em que somos privados de valores, onde o absoluto se perde nas entranhas do relativismo, onde “tudo o que é sólido se desmancha no ar” (Karl Marx), onde há um “desencantamento do mundo” (Max Weber), onde o máximo que se tem de absoluto é a dissecação do cadáver de Deus pela Teologia. Parece que tudo se perde. É como se tentássemos segurar um punhado de areia que escorre por entre os dedos da mão. Nada permanece, tudo passa rapidamente, como o vento.

E aqui é necessário que se abra um parêntese na fluidez do texto para um esclarecimento: não nego ou sou contrário há uma realidade relativa, isso seria insensatez, esquizofrenia, alienação. O relativismo, e sua inevitável conseqüência, a pluralidade, no que tange a vivência humana, é um conceito mais do que claro, e compreendo que também positivo, no pensamento atual. Entendo que somos seres relativos e somente Deus é absoluto, e que, portanto, teremos sempre uma visão parcial do absoluto. O que critico é a tentativa reducionista de relativizar o absoluto, e é isso que chamo de dissecar o cadáver de Deus. Jogar tudo no campo do relativismo em detrimento do valor absoluto afasta as pessoas do essencial que é Deus. Relativas são nossas idéias, nossas formulações teóricas, o “objeto” de nossa conceituação é absoluto. Somos seres relativos e sempre teremos visões relativas ou parciais de Deus, mas o absoluto continua existindo independente do relativo. Deus em sua condição de absolutividade continua presente e passível de relacionamento, mesmo em nossa condição de relatividade. Não é necessária uma compreensão plena de Deus para conviver com Ele, em nossa visão relativa podemos nos relacionar com o absoluto, que por fim é, e continuará sendo, mistério para as nossas mentes relativas e, portanto, finitas. Não há o que temer, não é preciso relativizar tudo para conviver bem com o meu próximo, posso manter valores absolutos (absolutos por encontrarem sua fonte no absoluto, mesmo sendo, na verdade, valores parciais) que para mim são preciosos, e o mesmo pode ocorrer com o meu próximo, sem que haja conflito. Porque o que importa é o respeito mútuo, o diálogo e o amor. Afinal: “agora, vemos como em espelho, obscuramente, então, veremos face a face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o maior destes é o amor.” (Apóstolo S. Paulo – 1ª Carta aos Coríntios 13:12 e 13).

A humanidade encontra-se perdida e sem sentido. Buscamos a satisfação de prazeres no dinheiro, no sexo, no conhecimento, mas tudo é enfado e correr atrás do vendo. Trabalhamos exaustivamente. Cheguei há trabalhar 12 horas por dia em detrimento de minha saúde, da família, dos amigos e da participação na igreja. E o que isso resultou? Aborrecimento, foi como correr atrás do vento. Vejo muitos que procuram correr para acumular dinheiro, criar fortuna. E o que resulta disso? Vidas destroçadas, famílias arruinadas, relacionamentos partidos. É como correr atrás do vento. Testemunhei pastores que se dedicaram imperiosamente aos seus ministérios de sucesso. E o que resultou disso? Esposas amarguradas e frustradas, filhos desorientados, pessoas feridas. É como correr atrás do vento. Muitas pessoas apostam suas vidas nas mais variadas atividades e quando chega à velhice o que resulta tudo isso? Meu pai, já falecido, teve uma rica experiência de vida. Quando pequeno seus olhos presenciaram a revolução constitucionalista de 1932 e seu poucos comentados horrores. Integrou na década de 40 o efetivo do exército brasileiro em plena II Guerra Mundial. Casou e criou seis filhos. Bom esposo, bom pai. Gostava de ler muito, foi um homem inteligente, prático e participativo junto à comunidade. Teve uma história de vida no mínimo interessante, mas quando completava 78 anos de idade, e suas condições físicas já se encontravam debilitadas ele confessou: “É muito triste chegar a certa idade e ver-se como um inútil”. Em que resultou toda uma vida? Sentir-se inútil ao final. É como correr atrás do vento. Nossa vida pode ser riquíssima e proveitosa, desde que achemos o propósito e o sentido para tanto.

Corremos, corremos, corremos... Como se nossa alma não se aquietasse com nada. Seja qual for o êxtase pelo qual passemos parece que ao fim algo está faltando. O vazio permanece lá porque esquecemos do essencial. Somente Deus dará sentido ao prazer, somente Deus dará sentido ao trabalho, somente Deus dará sentido aos nossos relacionamentos, somente Deus dará sentido à nossa existência. Prazer pelo prazer, destituído de Deus, é pleno desgosto e vazio.

O que nos rouba o prazer, a satisfação, a alegria de viver e nos lança num abismo de frustrações é esta ausência de significado, que somente pode ser dado por Deus. Viver a vida como seres autômatos numa megamáquina (Erich Fromm), ou seja, viver numa formatação social onde os membros da sociedade são reduzidos a meras peças numa grande engrenagem é como encenar uma tragédia lúgubre da existência, algo enfadonho e morto. Nada transformar-se-á em vida se não houver uma real experiência no encontro de sentido na e para a existência. E esse sentido somente pode ser encontrado em Deus. Como reflete Santo Agostinho (Bispo de Hipona, 354 – 430) em suas Confissões: “Senti e experimentei não ser para admirar que o pão, tão saboroso ao paladar saudável, seja enjoativo ao paladar enfermo, e que a luz, amável aos olhos límpidos, seja odiosa aos olhos doentes”. Paladar enfermo e olhos doentes, ou seja, a existência longe de Deus. Santo Agostinho sintetiza no início de suas Confissões a angustia existencial pela qual passou, orando a Deus: “Criastes-nos para Vós e nosso coração vive inquieto, enquanto não repousas em Vós”.

Quero te convidar a encontrar sentido. Quero te convidar a uma experiência de fé, ou seja, a responder a iniciativa de Deus em oferecer o seu amor a nós. Meu convite é para uma experiência de fé que se traduz num relacionamento de confiança e compromisso com Deus. Voltar-se para os propósitos de Deus em Cristo Jesus. Repousar em Deus e encontrar nEle sentido. Libertar-se do cativeiro do vazio para a plenitude da esperança. Talvez fervilhem muitas dúvidas, mas isso não é motivo de preocupação, pois, creio que muitas vezes é no campo árido da dúvida que floresce a fé. O importante é não ter medo, mas confiar e repousar o coração em Deus.

“Já o meu coração estava livre de torturantes cuidados, de ambição, de ganhos, e de se resolver e esfregar na sarna das paixões. Entretinha-me em conversa convosco, minha Claridade, minha Riqueza, minha Salvação, Senhor, me Deus.”
(Santo Agostinho, Confissões)


*O autor é reverendo anglicano.
(publicado originalmente em dezembro de 2007)



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