O perdão sem arrependimento é bíblico?





Por: Ednilson Correia de Abreu 
Fonte original: Rede Sepal.
Uma avaliação sobre o ensino do "perdão incondicional".


Durante o velório da jovem Eloá, sua mãe, marcada pela tragédia, fez uma afirmação muito forte diante de todos, ela disse: - "Eu consigo perdoar o Lindenberg de todo o meu coração". Penso que sua afirmação está exata, pois ela não disse apenas eu perdôo, ela disse "eu consigo perdoá-lo", e essa palavra faz uma grande diferença no assunto do perdão. Vejamos:

É muito comum quando ouvimos falar sobre perdão, alguém dizer que temos de perdoar incondicionalmente, será esta uma ação bíblica?

Há um intenso debate aqui, se tomarmos esta questão superficialmente, rapidamente poderemos ser levados a pensar que sim, que devemos perdoar incondicionalmente, mas aqui, uma vez mais fica evidenciado a necessidade de sempre que possível procuramos conceituar o mais corretamente possível os termos teológicos,sob pena de acabarmos desenvolvendo pensamentos humanos, racionais e sentimentais, mas sem base bíblica.

O que significa algo incondicional? Incondicional é a qualidade daquilo que não exige nenhuma condição prévia para sua realização plena. O amor de Deus é incondicional, pois não existe nada em nós que sirva como pré- requisito ou exigência para sermos amados por Ele. Porém dai dizermos que o perdão tem esta mesma característica de incondicionalidade é outra coisa.

Sendo verdade o que acabo de dizer temos de, com a ajuda do Senhor, viver na busca de amar a todos incondicionalmente. Mas, e sobre o perdão devemos seguir a mesma estrada da incondicionalidade? Entendo que se quisermos ser fiéis ao relato bíblico; não.

Há um grande numero de escritos circulando no meio evangélico defendendo enfaticamente a tese de que devemos perdoar incondicionalmente. Esta literatura é muito popular e dessa forma tem influenciado o pensamento de muitos, levando-os a pensar que este é um ensino natural nas Escrituras, mas não o é.

Jesus Cristo como suprema revelação divina deve ser para todos nós o modelo, o paradigma perfeito para todas as nossas ações, o que inclui o ato de perdoar.

Como Cristo sendo o expositor dos propósitos do Pai perdoa? Ele perdoa como uma resposta ao arrependimento daquele que ofendeu. Isso significa que o perdão sem arrependimento do ofensor não se torna algo pleno e bíblico de fato. Isso está respaldado na própria dinâmica das relações Deus x humanidade já descritas no AT.

"Portanto, ó nação de Israel, eu os julgarei, a cada um de acordo com os seus caminhos. Palavra do Soberano, o SENHOR. Arrependam-se! Desviem-se de todos os seus males, para que o pecado não cause a queda de vocês. Livrem-se de todos os males que vocês cometeram, e busquem um coração novo e um espírito novo. Por que deveriam morrer, ó nação de Israel? Pois não me agrada a morte de ninguém. Palavra do Soberano, o SENHOR. Arrependam-se e vivam!" Ezequiel 18.30-32


Ainda podemos ver isso no relato de Jonas no cap.3 onde um verdadeiro arrependimento foi manifestado pelo povo de Nínive e Deus os poupou através do perdão na forma do livramento do juízo iminente.

João o apóstolo do amor afirma em 1 João 1.9 "Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda injustiça".

Em Lucas 17.3-4 está registrada a palavra de Jesus que diz; "Tomem cuidado". Se o seu irmão pecar, repreenda-o e, se ele se arrepender, perdoe-lhe. Se pecar contra você sete vezes no dia, e sete vezes voltar a você e disser: 'Estou arrependido', perdoe-lhe"(NVI).

Está claro aqui nestes textos a condição do arrependimento antes do perdão, tanto no sentido vertical quanto horizontal do problema.

O teólogo inglês Brian Edwards afirma: "O perdão de Deus, assim como seu amor e sua graça, é imerecido, ilimitado e infinito, mas não é incondicional. Sempre que oferece perdão, Deus o faz sob a condição de arrependimento".[1]


O velho teólogo também inglês John Stott fala-nos da "paz barata", parafraseando Bonhoeffer que falou da "graça barata", Stott afirma que quando proclamamos um perdão (paz) sem arrependimento, estaremos proclamando uma falsa paz ou "paz barata" como os falsos profetas anunciavam "paz, paz! Quando não havia paz de verdade.[2]

Fazer isso não é nem bíblico e nem cristão.

A paz verdadeira mediante o perdão implica na existência do arrependimento por parte do ofensor e da liberação do perdão por parte do ofendido.

Somos ensinados na Bíblia a perdoar como Deus em Cristo nos perdoou.

"... perdoando-se mutuamente, assim como Deus os perdoou em Cristo" Efésios 4.32b (NVI)

"Perdoem como o Senhor lhes perdoou" Colossenses 3.13b (NVI).

Como somos perdoados por Deus em Cristo? Como o Senhor nos perdoou?

A resposta bíblica é: somos perdoados em Cristo quando tocados pelo Espírito Santo, que nos convence dos nossos pecados (que ofendemos a Deus), nos arrependemos diante do Senhor (o ofendido) e lhe pedimos perdão. A chamada ao arrependimento está clara nas escrituras.

João Batista pregou o arrependimento João 3.3

Jesus pregou o arrependimento. Mateus 4.17 e ordenou aos seus discípulos que continuassem pregando-o. Lucas 24.46-47

Pedro continuou pregando o arrependimento. Atos. 2.38; 3.19

Paulo pregou o arrependimento. Atos 17.30; 26.20; 2 Co. 7.10

O arrependimento está no centro da pregação cristã. E tudo isso para que? Para que haja perdão verdadeiro e completo. Alguém ainda pode dizer: "Mas isso é assim quando se refere a Deus, mas isso não é verdade nas relações humanas". Mas nas relações interpessoais não é diferente, só podemos falar em um pleno perdão quando há reconhecimento do erro por parte do ofensor e a conseqüente busca pelo perdão do ofendido. Ai podemos falar de um perdão bíblico e, portanto verdadeiro.O casal de conselheiros cristãos Jacques e Claire Poujol citando o teólogo Paul Wells, afirmam:

"Sobre aqueles que querem perdoar sem o arrependimento, Wells acrescenta: 'seríamos nós mais santos que Deus? Nosso arrependimento é necessário ao Seu perdão, o de nosso ofensor não é menos necessário para o nosso".[3]

Se pensarmos em um perdão incondicional vindo de Deus, seremos levados a uma conclusão natural – o universalismo, pois se o sacrifício de Cristo não exige mudança de vida, na forma do arrependimento, a conseqüência natural seria uma obra salvífica universal, alcançando incondicionalmente a todas as criaturas, não importando na verdade nem em quem ela crê. Isso é antibíblico porque a verdadeira fé em Cristo ou fé salvadora implica em um arrependimento de pecados diante do Deus revelado em Cristo.

E aqueles casos em que não é possível saber se houve um arrependimento do ofensor, por exemplo, quando este já morreu, como agir? Penso que podemos responder a esta pergunta com um princípio bíblico que se aplica ao contexto da dinâmica de relações: ofensor, ofendido e o perdão. Quando falamos que o perdão pleno ocorre quando há o pedido do perdão por parte do ofensor, não queremos dizer que se isso não ocorrer o ofendido deve se manter endurecido, irado, mantendo arquivado a amargura e o desejo de vingança. De forma nenhuma, pois nada disso é cristão e conseqüentemente bíblico.

O Cristão verdadeiro dever sempre manter em seu coração uma atitude positiva pró-perdão, seu coração deve estar tocado pela graça no sentido de que ele permaneça puro, (conf. Colossenses 4.12-13) onde toda a dor da ferida recebida seja entregue ao justo juiz, aquele que julga retamente e que alivia a nossa alma (Rom. 12.17-20; Ef. 4.27, 31-32; Tiago 1.19-20). É preciso depositar aos pés de Jesus toda a nossa dor, angústia, ira e revolta. Nele temos paz e assim receberemos uma disposição perdoadora. Dessa forma estamos puros diante de Deus, e podemos viver o resto da vida sem amarras às feridas que recebemos de alguém que não mais poderá nos pedir perdão e acertar a situação. Isso se aplica também aos vivos, pois até que haja um encontro de acertos de contas visando resolver o problema, nosso coração deve manter-se puro, sem raízes de amargura, mas mantido em uma pré-disposição positiva na direção do perdão, liberando-o sempre que for requerido coerentemente. Tudo isso feito na força da graça do Senhor, gerando assim uma cura completa do ofensor e do ofendido, mesmo que os relacionamentos nunca mais possam vir a ser os mesmos. (Você conseguiria ser amigo de alguém que lhe tenha estuprado ou de um assassino do seu filho?) Uma coisa é perdoar e até servir ao ofensor, outra coisa é ter um relacionamento profundo de amizade e comunhão. Deus pode fazer um milagre em nossas vidas até nisso, mas a Bíblia deixa claro que mesmo quando ocorre um perdão verdadeiro, algumas conseqüências podem permanecer. Exemplo: Deus perdoou o povo no deserto, mas não permitiu que os mesmos entrassem na terra prometida, Deus perdoou o pecado de Davi, mas não impediu seu sofrimento familiar, Jesus perdoou o ladrão que estava pendurado à sua direita, mas não impediu a sua morte, Jesus pediu ao Pai que perdoasse aos seus algozes (e alguns foram perdoados, pois certamente se arrependeram – vide Lucas 23.44-48), mas isso não impediu a destruição de Jerusalém algumas décadas depois, conforme o próprio Jesus profetizou.


Agora e aqueles textos bíblicos que parecem dizer que o perdão é incondicional? Bem, temos de nos lembrar que para fazermos uma correta e ética interpretação não podemos isolar textos bíblicos, temos de analisá-los a luz de todo o contexto das Escrituras e o que vimos até aqui já nos serve um pouco como arcabouço para entendê-los corretamente. Vejamos alguns:


Mt 6.12,14-15 (o pai nosso), Não é dito nestes textos que o perdão seja incondicional, mas sim que um verdadeiro cristão deve sempre estar pronto a perdoar quando lhe for requerido dentro das condições estabelecidas pela própria escritura. Aquele que é alcançado pelo perdão divino deve ser um canal desse perdão para outros.


Mt. 5.44 Orar pelos inimigos envolve o pedido para que Deus aja na vida destes e a maior benção que Deus pode trazer a estes será o arrependimento para que haja perdão, tanto humano como divino. O cristão não pode buscar vingança, mas justiça.


Mc. 11.25 Novamente é destacado neste texto o imperativo do perdão, mas não do perdão incondicional, mas do perdão sob a condição bíblica do arrependimento do ofensor. Se um cristão não perdoa a alguém que lhe pede perdão o pecado está estabelecido e a comunhão com Deus seriamente prejudicada. Um coração perdoador é vital para uma real comunhão com Deus.


Lc. 23.34 Este pedido de Jesus não é uma generalização do perdão sem arrependimento, mas um pedido ao Pai para que mesmo diante de um mal tão terrível, ainda haja perdão para os pecadores arrependidos, sejam eles quem forem, pois era para isso também que a morte de Jesus estava acontecendo.


Concluímos diante de tudo o que foi exposto até aqui que:

a) O perdão é ilimitado, mas não incondicional. Conforme Lucas 17.3-4

b) O perdão verdadeiro é um desafio a fé, mas é possível pela graça de Deus derramada em nossos corações. Quando perdoamos estamos "apenas' repassando a mesma graça com a qual fomos contemplados por Deus.

c) O perdão nos moldes das Escrituras nunca é algo superficial ou leviano, mas algo sério e profundo, onde o arrependimento sempre é esperado daqueles que erraram. Não é assim, por exemplo, que a disciplina eclesiástica bíblica correta deve funcionar sempre, restaurando pecadores a comunhão do corpo mediante um testemunho claro de arrependimento por parte destes?

d) O perdão pleno se dá mediante confrontação, acerto e encontro entre as partes sempre que possível, pois somente assim as coisas são tratadas e o perdão é liberado e recebido conscientemente gerando todo o seu potencial de cura e libertação mútua.

e) A parte ofendida deve sempre manter-se positiva em relação ao perdão dos seus ofensores, seu coração deve estar pronto a, com a ajuda do Senhor, liberar o perdão sempre que lhe for requerido de forma coerente. Se deixarmos de perdoar estamos incorrendo em pecado e nos dispondo a sofrer todas as conseqüências desse ato anti-bíblico; pois um coração que não perdoa traz para si conseqüências terríveis em todos os níveis da existência.

f) A atitude de Jesus descrita por Pedro em 1 Pedro 2.23 é o nosso grande modelo; vingança jamais; revide nunca; mas uma entrega confiante da situação ao justo juiz de toda a terra; sempre.

g) As alternativas à falta de arrependimento do ofensor não são a ira ou a vingança , mas a compaixão e a entrega submissa a Deus de toda a situação sofrida.

h) Podemos entender então a razão de Jesus nos ensinar a orar pelos nossos perseguidores e não de perdoá-los automaticamente conforme Mateus 5.44. O texto anterior nos lembra que é bíblico orar pelos ofensores para que Deus lhes traga o arrependimento e assim sejam salvos e perdoados. O que não implica na rejeição da aplicação correta das penas humanas ou criminais pelos atos cometidos.

i) Mesmo quando perdoamos continuamos a não ter nenhum mérito na graça perdoadora de Deus. Somos perdoados pela graça, e não porque fomos capazes de perdoar alguém que nos pediu perdão, Lucas 17.10 diz que mesmo quando fizermos aquilo que Deus nos manda fazer continuamos sendo servos totalmente carentes de sua graça.


Vale lembrar que: "O arrependimento não compra o perdão. Cristo pagou pelo nosso perdão em sua morte. Mas, tendo pago o resgate, deu-nos autoridade para perdoar pecados gratuitamente, de sorte que agora temos autoridade para perdoar outros. Somos solicitados a declarar perdão a todos os que verdadeiramente se arrependem, que respondem à Palavra de Deus, e ao Espírito de Deus".[4]


Perdoar é de Deus, aprendamos a perdoar com Deus e perdoemos com a força que Ele mesmo nos dá.

________________________________________

Ednilson Correia de Abreu

Pastor da Primeira Igreja Batista em Ecoporanga - ES


[1] EDWARDS, Brian. Temos de perdoar nossos inimigos? Revista Fé Para Hoje, Fiel, 2001, n°10, p.3

[2] STOTT, John R. W. A mensagem do Sermão do Monte, ABU, p. 41

[3] POUJOL, Jacques e Claire, Manual de relacionamento de Ajuda, Vida Nova, p.293

[4] WHITE, John, BLUE, Ken. Restaurando o Ferido - A Necessidade do Amor na Disciplina da Igreja, Vida, p.151



Observação: Achei interessante o texto a seguir, pois expressa uma ideia que geralmente foge do senso comum, qual seja, a opinião de que o cristão tem que perdoar incondicionalmente a todos que o ofendem, independentemente destes se arrependerem ou não. O texto parece já não estar em seu link original. De qualquer modo, o mantenho neste blog até um eventual contato de seu autor.

Comentários

  1. Parabéns pelo trabalho brilhante. Não pare de lançar luz sobre as trevas. Sempre combatia a heresia do perdão sem pedido.

    ResponderExcluir
  2. Aproveitei parte desse estudo. Muito bom. AMOR E PERDÃO.(CONDICIONAL E INCONDICIONAL)

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Mais vistas do mês

Toda a Reforma em apenas dois versículos

Uma reflexão acerca do Salmo 128

Quem não dá o dízimo vai para o inferno?

A triste história do rei Asa

Ananias, o discípulo que batizou Paulo

A impressionante biografia de William MacDonald

José do Egito - um exemplo de superação

A Conversão de Zaqueu (Lc 19)

Uma comparação entre Zacarias e a Virgem Maria

Os "logismoi"