Medo de Viver


"Se nossa análise está correta, não há formas de fugir à conclusão de que o protestantismo habita um discurso. O mundo protestante é um discurso.

(...)

Estamos diante de um problema: como explicar que indivíduos e comunidades aceitem a repressão da vida e se submetam a um conhecimento que não permite que a vida se exprima? Porque, na verdade, num sistema em que o conhecimento absoluto é revelado, vindo de cima para baixo, um falar que seja a expressão do humano não pode ser aceito como revelador de uma verdade.

Creio que algumas conclusões da psicanálise e da psicoterapia podem lançar luz sobre o problema. Freud mostrou que um dos mecanismos de que a psique lança mão para resolver os seus conflitos com a realidade é a substituição desta última por palavras. Palavras se tornam 'gratificações substitutivas' em lugar de um contato direto com as coisas e as pessoas. Assim, a verbalização serve como um substituto para a vida. Mas porque substituímos a vida por palavras? Qual a função desta transação? Que vantagem existe nesta troca? quando alguém teme o contato com a realidade, as palavras são interpostas como uma cortina, tanto entre o que verbaliza e o seu próprio corpo. Dispondo já previamente de uma definição verbal da significação de nossas experiências, impedimos que elas se façam sentir de forma imediata. Assim, não experimentamos a experiência. Experimentamos sempre o pensamento sobre a experiência. Porque fazemos isso? Porque tememos a vida. Ela é imprevisível, sempre mutante, não nos permite ter certezas. Ela problematiza, destrói absolutos, força reorganização perceptuais. Na linguagem, entretanto, dispomos de definições estáveis e de receitas prontas. Esta é a razão porque é mais seguro habitar o mundo da linguagem que frequentar a própria vida".

(Rubem Alves, em "Religião e Repressão", Teológica/Loyola, p. 150)

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