Eclesiologia paulina x eclesiologia inaciana

Quando o apóstolo Paulo escreveu aos Coríntios, estes estavam enfrentando um sério risco de divisão. Uns diziam que eram de Paulo, outros de Pedro, outros de Apolo, outros de Cristo (I Co 3.4 e ss) ... ou seja, cada qual, pertencente a um partido.

Tal divisão se encontrava na própria prática da Ceia do Senhor, que acaba gerando uma dura reprimenda de Paulo, bem como outras exortações.

Ao discorrer sobre os dons espirituais, Paulo ensinou que era o próprio Espírito que concedia os seus dons de modo que lhe aprazia, sendo que todos eram igualmente importantes na Igreja; Paulo portanto, tem uma visão bem clara do funcionamento orgânico do corpo.

E finalmente, para encerrar a discussão acerca da unidade da Igreja, Paulo cita talvez um dos mais belos textos acerca do amor que jamais foram escritos, que é, inclusive, muito utilizado em convites de casamento, que se encontra em 1 Coríntios 13.

Em nenhum momento o apóstolo encerra a discussão acerca da unidade dizendo: sou apóstolo, fora de mim, fora de Cristo, me obedeçam; se não esteverem submissos à liderança que eu implantei por aí, estão fora da salvação...

Por mais arriscada que fosse a perda da unidade por parte de seus leitores, Paulo apelou ao amor para a manutenção da unidade, como bem convém aos cristãos.

Entretanto, em Inácio de Antioquia, uns cinquenta anos depois, em suas sete epístolas, quando se fala em unidade, tudo se resume na submissão ao bispo. A função orgânica da Igreja não parece mais estar nos carismas livremente cedidos pelo Espírito à Igreja, mas sim na tríplece ordem, qual seja, episcopado, presbiterato e diaconato. Ou seja, aqui vemos o germinar (ou quem sabe uma radicalização) de um pensamento que vai fundamentar todo o período posterior, qual seja, a de uma igreja "que ensina" e outra igreja que "aprende", ou a divisão da ordem dos clérigos e dos leigos.

Eu não duvido das imensas contribuições que tal sistema trouxe ao cristianismo; dentre elas, provou-se ser um dos métodos mais eficazes na organização eclesiástica e na manutenção de uma unidade institucional de que se tem notícia. Os católico romanos e ortodoxos, cuja instituição beira dois mil anos, estão aí para a isto comprovar. Entretanto, uma leitura serena e honesta, em minha opinião, de Paulo e Inácio, parece demonstrar uma sensível mudança de paradigma no que tange ao sistema eclesiástico, de uma comunidade um pouco mais carismática para uma outra instituicional, com a diminuição sensível dos ofícios proféticos/carismáticos da igreja para um outro modelo mais instituicional e hierarquizado.

Quando o modelo institucional/hierárquico fundiu-se ao Estado, outras expressões praticamente desapareceram ou ficaram na ilegalidade, de modo que tais discussões só voltam com força total no período da Reforma e continuam até os nossos dias.

Quem se interessar seriamente pelas discussões ecumênicas, necessariamente terá que olhar com compreensão para todas estas perspectivas para tentar construir verdadeiramente um diálogo construtivo e rumo à unidade.

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