Dialogo sobre a Liberdade de Deus

Temisão - Ortodoxo
Sixto - Ocidental

Sixto: Dentre os atributos concernentes a natureza divina convem assinalar a Liberdade.

Temisão: Sustentais portanto que Deus é livre.

Sixto: Faz-se mister confessar e crer que a Liberdade é um apanágio exclusivo de Deus.

Temisão: Da-me exemplo.

Sixto: O ato criador pelo qual Deus quiz dar um primeiro impulso ao universo (Big bang) foi certamente um ato livre e não necessário.

Temisão: Portanto Deus tanto poderia ter criado como poderia não ter criado o mundo, sendo tão bom te-lo criado como não te-lo criado?

Sixto: Correto, nós cremos e sustentamos que para Deus seria tão bom criar como não criar.

Temisão: Nexte caso a existência e a posse de Deus não comportariam qualquer excelência face a inexistência ou o nada? Belo doutrina esta que nivela por assim dizer a posse de Deus com o nada ou a inexistência, atribuindo-lhes o mesmo valor.

Sixto: Certamente que a posse de Deus é superior e mais excelente que o não ser ou a inexistência.

Temisão: Admitida a distinção qualitativa entre o existir e o não existir e estabelecido que o existir é superior ou mais perfeito que o inexistir, segue-se que Deus não é livre.

Sixto: Penso não ter compreendido bem vosso raciocínio.

Temisão: Acompanha-me e compreende-lo-as.

Sixto: Estou ouvindo.

Temisão: Admitido que Deus é um ser perfeito segue-se que não pode escolher senão o mais perfeito, pois se escolhesse o imperfeito seria igualmente imperfeito.
Partindo do fato de que a alternativa comporta variação e gradação de qualidade, a alternativa e como consequência a escolha e a liberdade não podem existir para Deus.

Sixto: E porque não?

Temisão: Porque Deus sendo perfeito é constrangido por sua natureza a desejar e querer apenas o perfeito e jamais o imperfeito.
Para ele agir perfeitamente não é opção ou escolha mas necessidade.
Do contrário optando por algo de qualidade inferior desonraria sua própria natureza.

Sixto: Afirmas portanto que Deus foi constrangido a produzir o universo?

Temisão: Admito e sustento que Deus foi constrangido a produzir o universo, não por um poder externo e superior a ele - como sustentavam os antigos pagãos - mas por um poder interno a saber sua própria natureza perfeita.
Pois se pudesse optar pelo imperfeito, defeituoso ou inferior não poderia ser considerado como perfeito.
Sabemos no entanto que Deus deve ser perfeito.

Sixto: Logo Deus não poderia ter escolhido não produzir este universo?

Temisão: Não só foi constrangido a produzir este mundo como foi constrangido a produzir o mais perfeito dos mundos possiveis.

Sixto: Como é possuivel que alguém tão instruido como tu ouse sustentar que este mundo onde imperam o crime, a maldade e o pecado seja o mais perfeito dos mundos?

Temisão: Não disse que este mundo é o mais perfeito dos mundos possiveis em absoluto, mas que é o mais perfeito dos mundos possiveis em se considerando a liberdade e a possibilidade do mal e do pecado.
Este mundo é o melhor dos mundos possiveis que comportasse o mal e o pecado.
O que não exclui a existência de outros mundos mais perfeitos pertencentes a categoria daqueles nos quais o uso da liberdade não resultou no aparecimento do mal e do pecado.

Sixto: Portanto Deus produziu outros mundos mais perfeitos do que este?

Temisão: Certamente que os mundos nos quais a liberdade não produziu pecado são superiores em qualidade a este nosso mundo em que o pecado veio a aflorar.
Quanto ao tipo de mundo no qual o pecado veio a existir por abuso da liberdade este é o melhor possivel.
Dizemos pois que é o mais excelente dos mundos possiveis com o pecado.

Sixto: Não poderia Deus ter criado um mundo livre sem que houvesse a possibilidade de que o pecado viesse a ser cometido?

Temisão: Certamente que Deus poderia ter produzido um mundo em que não houvesse a possibilidade de que o pecado viesse a existir.
No entanto como tal mundo poderia ser livre sem que houvesse outra possibilidade (a do pecado)?
Um mundo em que o pecado fosse impossivel de ocorrer seria um mundo moralmente determinado logo não livre.
Liberdade e inexistência de alternativas diferentes é uma contradição de termos.
Por outro lado se a liberdade foi concebida e estabelecida por Deus, somos obrigados a encara-la como um bem no mais alto gráu.
E a regeitar a possibilidade de que Deus produzisse um mundo moralmente determinado, pois neste caso estaria produzindo um mundo em oposição a liberdade e portanto um mundo qualitativamente inferior, caso admitamos que a liberdade é um bem produzido pela perfeição divina.
Logo a possibilidade do mal e do pecado surgirem em decorrência da liberdade é uma necessidade.

Sixto: Neste caso, se a possibilidade do mal e do pecado enquanto decorrência da liberdade é uma necessidade não seria para Deus não ter criado ou produzido qualquer tipo de mundo?

Temisão: Caso a perfeição correspondesse a inexistência tu e eu não estariamos aqui a debater...
Logo a existência livre é um bem que corresponde a perfeição divina mesmo num mundo que, como o nosso, comporta operações morais de cárater pecaminoso.
Operações e resultados que Deus conheceu e soube desde toda eternidade e que no entanto não impediu de virem a ser.
Assim sendo a existência de um mundo como o nosso constrange-nos a postular que é o melhor dos mundos possivéis sob o gênero do pecado.
Do contrário não teria vindo a existir.
Pois como poderia vir a existir algo que contrariasse a vontade de Deus?

Sixto: Sustentas pois que a existência deste mundo não é nem neutra nem precária?

Temisão: Admitindo que o mundo esta para a posse de Deus não pode ser neutra, admitindo que veio a ser por vontade e disposição divina não pode ser precária ou defeituosa, pois como já dissemos querer ou desejar entidades ou objetos imperfeitos corresponde ao que é imperfeito e não ao que é perfeito, como Deus.
Deus só pode fazer o que é melhor, logo este é o melhor dos mundos possiveis num esquema de abuso de liberdade; é o que chamamos 'padrão de excelência divina'.

Sixto: E no entanto o homem faz escolhas...

Temisão: O homem enquanto ser limitado pelo tempo e pelo espaço e sem um conhecimento nítido do futuro, exerce livre escolha entre diversar alternativas objetivando a posse de um determinado bem. Pois a liberdade é sempre um meio para se chegar a algo e não um fim em si mesma.
Deus no entanto sendo infinito e onisciente não pode ignorar e desconhecer antecipadamente o resultado de todas as suas ações e operações.
Estando obrigado a optar sempre pelo mais perfeito ou pelo melhor e impedido de optar pelo imperfeito ou pelo inferior.
Não há pois alternativas para Deus, mas apenas uma alternativa.
Grosso modo não há opção ou escolha para ele.
Logo Deus não é livre pois para ser livre deveria antes ignorar os resultados produzidos por suas ações o que é impossivel para ele...
Sendo onisciente Deus não pode ser igorante como sendo bom não pode fazer o mal e amando tudo quanto é bom não pode odiar algo que seja bom.
Por outro lado, como vimos, a liberdade é sempre um instrumental ou meio para que o ser livre venha a adquirir ou possuir certo bem que ainda não possui.
Donde Deus, tudo possuindo e nada buscando adquirir não pode ser livre.

Sixto: Se Deus não é livre como pode ter concebido e decretado a existência da Liberdade e como a Liberdade inexistindo em Deus pode ser digna de apreço e não um defeito?

Temisão: Mesmo não sendo livre Deus foi perfeitamente capaz de conceber e de decretar a liberdade para os seres racionais que veio a produzir enquanto causa remota de todos os seres.
Quanto a liberdade corresponder não apenas a um bem mas a uma verdadeira perfeição concebida pela natureza divina, devemos saber que ela constitui uma perfeição apenas no ser para o qual foi disposta, o homem; tendo em vista um determinado fim: a adesão livre do homem ao plano divino, que não pode deixar de ser meritória e digna de recompensa.
Como o homem e Deus são entidades moralmente distintas, o que seria imperfeição ou defeito em Deus vem a ser uma excelente qualidade no homem.
Deus sendo verdadeiramente livre não seria perfeito, o homem sendo determinado diretamente pela vontade de Deus não seria capaz de fazer juz a qualquer mérito e de receber a recompensa.

Sixto: Logo?

Temisão: Logo podemos dizer que a liberdade é apanágio exclusivo dos seres criados - tendo em vista a passagem deles de um estado menos perfeito para o Estado de perfeição - e que Deus é isento de livre vontade.

Sixto: Penso que este vosso ensino, segundo o qual Deus necessitou produzir os seres criados, seja vergonhoso.

Temisão: Se considerarmos que o fim da criação e da existência dos seres criados é a posse de Deus equivalente a suprema felicidade, inferimos que Deus foi constrangido a auto comunicar-se e a partilhar sua bemaventurança infinita com outros seres.
Nada mais nobre do que ser obrigado por sua própria natureza a tornar os outros sumamente felizes.
Neste caso a necessidade, sendo uma necessidade de amor, é uma santa necessidade.
Vergonhoso seria para Deus isolar-se em seu ser ou encerrar-se em sua beatitude como um egoísta.
Nós não ensinamos uma necessidade imposta por qualquer agente externo com fins de natureza duvidosa, mas uma necessidade interna que emana do próprio Deus e que leva-o a beneficiar uma multidão infinita de seres.

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