Dialogo sobre a Natureza divina e seus atributos

Cleantes = pensador cético
Basílio = doutor Cristão


Cleantes: Que é Deus?

Basílio: Se desejas saber o que é Deus, deves compreender antes que seja essência e que sejam acidente, ou seja, natureza e atributo.

Cleantes: Define pois que seja essência e que seja acidente.

Basílio: Essência ou natureza é tudo quanto subsiste por sí mesmo enquanto Ser. Acidente ou atributo é tudo quanto subsiste na essência ou na natureza sendo sustentado por ela, os acidentes conferem a essência um certo modo a que chamamos de qualidade.

Cleantes: Da-me algum exemplo.

Basílio: Tomemos por exemplo a água.
H2O é a essência ou natureza, os estados físicos, a cor, o gosto, o cheiro, etc que imediatamente captamos são os acidentes que existem na natureza imprimindo-lhe um modo: sólidez, liquidez, transparência, etc
Tomemos agora uma árvore qualquer: o tipo de célula é a essência; a disposição dos galhos, a cor das flores, a forma dos frutos e sementes, a textura das folhas, etc são os atributos.
Os atributos ou acidentes é que são responsáveis pelas diferenças ou variações que caracterizam a indivualidade de cada ser.
Assim embora o Gêne do cavalo seja um tipo, há diversas modos de ser cavalo: gordo, magro, alto baixo, preto, branco, malhado, etc o Gêne comum a espécie corresponde a essencialidade, os elementos diferenciados são os acidentes ou atributos.

Cleantes: Caso apliquemos tal distinção a Deus não estamos fazendo dele um Ser composto?

Basílio: A primeira vista ou ao menos segundo o plano natural e sensitivo, essência e acidente parecem corresponder a partes implicando em divisão ou composição.

Cleantes: Critérios que não pode ser aplicados a Deus...

Basílio: A contento.
Segundo a experiência as essências de todos os seres nos quais subistem acidentes parecem ser compostas.
No plano da natureza ainda não dos deparamos com pastícula que seja simples ou una.
No passado acreditou-se que o atomo fosse simples... ja não nutrimos a mesma crença a respeito das partículas que tem sido descobertas nestes últimos tempos.
De modo que não nos é dado imaginar um ser que seja uno, simples e isento de composição, embora saibamos que Deus o seja, mas nós não podemos imaginar a Deus ou imagina-lo mentalmente sem recorrer a imagens que não pertencem a ele, porque Deus é a suprema abstração e a entidade intelectual mais nobre e elevada que possa ser concebida pelo aparelhos racional sem que possamos representa-la com propriedade.
Tal e qual não nos é dado saber o que seja atemporal, eterno, infinito, informe... não nos é dado apreender com suficiência o Ser Uno e simples, sem que venhamos a defini-lo em termos compostos, a menos que com o Filósofo e seus aderentes optemos por não defini-lo em termos positivos contentando-nos em prossefar um semi agnósticismo ou um agnosticismo mitigado segundo o qual o Ser divino sempre nos foge...
Deus não é composto, nós no entanto, que somos determinados e imperfeitos tendemos a representa-lo assim, ou seja, defeituosa e imperfeitamente.
Concebemos a natureza divina como um cego concebe uma paisagem qualquer...

Cleantes: Neste caso a culpa cabe ao próprio Deus que segundo vós, os deistas, os agnóstas, etc produziu seres quase cegos e incapazes de compreende-lo bem.

Basílio: Caso o estado acima descrito fosse fixo e definitivo penso que a razão assistiria a tí nobre Cleantes, como no entanto esta limitação ou incapacidade é provisória, julgamos que estejas errado.
Pois se viemos a ser em estado de imperfeição foi justamente para que progressivamente atingissemos a perfeição.
Queremos dizer com isto que o conhecimento de Deus aumenta progressivamente, da teologia natural, para a divina revelação e da divina revelação para uma comunhão cada vez mais intima, tal e qual fossem os degráus duma escada, mesmo porque, somente aquilo que é menor pode atingir uma dimensão ou intensidade cada vez maior e por assim dizer, expandir-se.
Consola-nos saber que o homem dispõe da potência, da capacidade ou da virtude necessária para conhecer cada vez melhor o objeto de suas aspirações mais sagradas.

Cleantes: Não discutirei contigo sobre este assunto. Desejo saber porém como vosso Deus possuindo atributos distintos de sua natureza ou essência não se torna composto.

Basílio: Penso que a questão deva ser posta nos seguintes termos:
Subsistem os atributos na essência divina como partes uma vez que são distintos uns dos outros e da própria essência, o que nos obriga distinguir não só entre essência e atributo, mas atributo de atributo...

Cleantes: Não vejo como possa ser posta de modo mais claro.

Basílio: Neste caso a honestidade nos obriga a reconhecer que devido a homogeneidade divina nós, enquanto seres fragmentados e postos numa dimensão fragmentada não podemos compreender como a distinção Essência - atributos realize-se no ser divino.
Consola-nos no entanto saber que nem o Judeu nem o muçulmano - que regeitam a Trindade e a Encarnação como sendo mistérios - possam elucidar a questão de modo melhor.
A relação essência - atributo em Deus permanece sempre velada e inascessivel aos seres humanos e como tal nos domínios do mistérios.
O máximo que podemos dizer é que em Deus a distinção essência - atributos se dê de uma maneira totalmente diversa da maneira como se dá entre nós.
Destarte mesmo com atributos diferentes ele não se torna composto ou seriado.
Não devemos imaginar Deus como uma somatória de atributos.

Cleantes: Não seria mais fácil rejeitar a existência de atributos em Deus?

Basílio: Admitimos a existência de atributos em Deus porque consta no livro sagrado. Uma vez que o Evangelho exprime a distinção cremos que ela deva corresponder, ao menos de algum modo, a realidade do Ser a que diz respeito.

Cleantes: Platão afirmou que a essência de Deus é o bem ou o amor.
O filósofo definiu-a como pensamento do pensamento 'noéseos noésis' ou ato puro.
Outros ainda como ausência de limitações e defeitos, e outros ainda como soma ou conjunto de qualidades sob a alcunha de Perfeição. Esta definição é positiva, enquanto a primeira é negativa.
Tu porém como apresentas ao mundo a essência de teu Deus?

Basílio: Embora o termo essência só se aplique corretamente a parte que subiste em si mesma e sustenta os atributos, é costume dar-lhe também uma designação mais lata, concernente ao acidente, atributo ou propriedade mais importante daquele Ser.
Eis porque nossas escrituras afirmam que 'Deus é amor' não porque o amor corresponda a essência ou a natureza divina e sim porque corresponde ao mais excelente dentre os atributos divinos. Na hierarquia de atributos sagrados o amor é o mais importante, este pensamento parece corresponder ao de Platão...
Outro texto declara que 'Deus é luz' não com o intuito de apresenta-lo como sendo a luz material e criada, e sim porque a Luz é uma das coisas mais excelentes servindo para representar o que é bom ou a bondade.
Assim já sabemos qual seja o supremo atributo divino: o amor ou a bondade...

Cleantes: Certamente, mas ainda não sabemos que seja a essência ou a natureza divina da qual o amor ou a bondade é uma manifestação ou relação.

Basílio: Segundo inferimos por via puramente racional a essência divina é seu modo de existir sem determinações limitadas.
O que nos levaria aos antigos sacerdotes hebreus, a Aristóteles, a Aquino e sobretudo a Jesus, os quais de modo diverso disseram praticamente a mesma coisa.

Do nome com que os antigos hebreus designavam seu deus: Javé, inferimos que haviam deduzido a auto-criação ou auto existência de Deus, pois Javé significa aquele que existe partindo da raiz existir.
Deus é o Ser, aquele que é... o existente...
Deduzimos pois que Deus É EXISTÊNCIA PURA E ISENTA DE ESSÊNCIA QUE POSSA SER DELIMITADA OU DEFINIDA.
Não podemos limitar ou ilimitado ou definir o infinito pois ele sempre nos escapa.
Digamos que Deus apenas existe enquanto agente e produtor de sua existência.
O que nos aproxima dos atributos da eternidade e da infinitude...
Caso vos agrade podeis dizer com Aquino que em Deus confundem-se a essência e a existência...
Tudo isto nos remete ao conceito de ato puro, pensamento, consciência universal...
Até aqui as cogitações humanas dos gregos e dos bárbaros.
Em Jesus no entanto, ou no Evangelho, temos uma explicação de Deus dada por Deus.
Aqui é Deus mesmo que se apresenta e fala aos homens sobre sua natureza.
E ele declara: "Deus é espírito"
"pneuma o qeoV"

Cleantes: Queres dizer com isto que a essência divina corresponde a imaterialidade ou a espiritualidade?

Basílio: Sim, pois como tu sabes Nous e Pneuma eram termos equivalentes com que os antigos gregos designavam o ar acreditando que ele era imaterial, simples e sem composição.
Logo Deus seria uma Existência espiritual ou isenta de materialidade e composição que produziu a si mesma.

Cleantes: Caso tenha compreendido bem a idéia de Deus oscila em torno dos conceitos de: Espírito e existência ou de auto existência imaterial ou ainda de pensamento, consciência, ato puro...

Basílio: Correto. Estes são os termos que nos oferecem a mais satisfatória das respostas possiveis.

Cleantes: E a respeito dos demais atributos divinos que tens a dizer?

Basílio: Os atributos mais intimamente ligados a existência divina são a eternidade, que 'situa' Deus fora do tempo e a ilimitabilidade, que 'situa-o' fora do espaço e designam o que chamamos de transcendência face ao universo criado, espacial, temporal e ilimitado.
Ser eterno é ser infinito quanto ao tempo e ser ilimitado é ser infinito face ao espaço, donde se diz que Deus é infinito ou que possui uma infinitude absoluta em todos os sentidos.
Aqui o mais importante é evitar a tendência vulgar que apresenta a eternidade como o tempo de Deus, situando-o nela e pintando-o como um ser finito; bem como a tendência analoga, que apresenta a ilimitabilidade como o espaço de Deus, situando-o nela, e...
Deus não esta na eternidade ou no ilimitado.
Ele contem a eternidade e a ilimitabilidade e a ilimitabilidade e a eternidade estão nele.

Celso: Ilimitabilidade é o mesmo que ubiquidade ou onipresença não?

Basílio: A identidade entre tais conceitos é manifesta.

Celso: De fato nossos sábios Xenofanes, Apolônio, Parmênides, Anaxagoras... disseram> Uno, Simples, Existente, Eterno, Ilimitado, infinito, imutável.
Basílio: Possuindo todas as qualidades em máximo gráu ou gráu infinito e sendo perfeito não muda de estado, logo é imutável ou seja isento de sucessão, mudança ou alteração. Deus é sempre o mesmo, sempre idêntico, sempre igual e fixo em si mesmo.
Sendo imaterial, simples e infinito deve ser Uno, pois se houvesse mais de um Deus haveria limitação de um pelo outro.

Cleanto: Concordo que o perfeito seja imutável e admito que o Imaterial, simples e infinito seja Uno.

Basílio: Portanto já sabemos que o Espírito Existente comporta em sí>
Infinitude (eternidade e ilmitação)
Unicidade ou simplicidade
& a
Absolutidade ou excelência perfeita.
A essência por assim dizer, consta de dois termos - a imaterialidade e a auto existência ou suficiência enquanto os atributos podem ser resumidos em três aspectos fundamentais - A infinitude que se subdivide em eternidade e ilimitação ou ubiquidade (Onipresença).
A unicidade e simplicidade, que são termos correlatos e a absolutidade que comporta o gráu máximo de posse ou excelência, quero dizer a perfeição.
Podemos pois descrever nosso Deus em si mesmo com cinco palavras: Espírito, Auto existente, infinito, Uno e absoluto.

Celso: Porque disseste 'Deus em si mesmo'?

Basílio: Porque estes atributos somente são entitativos, próprios, específicos ou exclusivos quanto a essência divina.

Celso: Explica melhor o sentido de tuas palavras.

Basílio: Apenas estes três aspectos do ser divino podem ser classificados como entrinsecos ou absolutamente transcendentes enquanto existem apenas para Deus e para Deus somente sem que possam ser compartilhados com os seres humanos e experimentados por eles.
Os demais atributos são extrinsecos, relacionais ou operativos pois só podem ser percebidos em relação com o universo criado e partilhados com o ser racional.

Celso: Isto significa que existem apenas porque são experimentados?

Basílio: Se o cárater deles é externo, relacional ou experiencial não poderiam existir sem que fossem externados e experimentados.
No entanto embora eles se concretizem enquanto operações externas e relacionais no tempo denotam uma vontade ou uma potência preexistente e imutável. Se o ato é temporal a intencionalidade é eterna.

Celso: A ser exata sua afirmação sobre os atributos relacionais ou externos a criação seria uma ato necessário.

Basílio: Se a essência ou natureza perfeita mantem ou sustenta atributos de relação não podemos negar que a existência de seres racionais é necessária tendo em vista a concretização da relação atributiva, donde se infere que a produção de seres inteligentes por parte de Deus foi um ato necessário e não um ato livre. A natureza mesma de Deus obrigou-se a produzir seres capazes de interagir consigo.
Deus não poderia ser justo sem conter em sí mesmo a idéia ou noção de justiça.
Por outro lado como a noção de justiça não pode esgotar-se em si Deus teve de conceber seres face aos quais fosse possivel exercer a justiça e ser justo.
Deus no entanto não pode pensar algo que por ser indigno ou imperfeito não possa vir a existir e a realizar-se.
Logo da identificação da vontade ou do pensamento com a ação divina inferimos a necessidade do homem existir para que a justiça mesma possa existir em Deus.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado a sabedoria, ao amor, a paciencia, etc
Deus só poderia vir a conhecer, amar, tolerar, etc entidades que existindo fisicamente em si não se confundissem consigo no plano da personalidade devido a autonômia da vontade ou a liberdade.
A existência da liberdade foi necessária para que os seres criados fossem entidades moralmente autonômas ou distintas daquela vontade em cujo bojo esta situado o universo físico.

Celso: Portanto a liberdade sequer é um atributo divino de cárater relacional?

Basílio: Este assunto é tão complexo e tão extenso que só poderá ser abordado noutra oportunidade.

Celso: Arremata teu discurso homem cristão, declarando quais são os atributos relacionais ou externos de teu Deus.

Basílio: O amor ou a bondade pelo qual deseja beneficiar todos os seres e torna-los sumamente felizes pela fruição de seu Ser.
A sabedoria que fixou todas as leis universais e que tudo penetra e conhece. (Oniciência)
Nós enchergamos com a esfera limitada do olho, Deus encherga, ouve e sente com todo seu ser que é infinto.
A justiça que atribui a cada ser o que lhe cabe por direito.
O poder ou a força infinita que produziu todas as entidades materiais (Onipotencia)
A paciência ou tolerância face a iniquidade e a imperfeição.

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