Primeiros capítulos de Gênesis - Uma leitura sempre literal?


Uma das matérias que leciono em alguns cursos que tenho o privilégio de ministrar é o de Antropologia Bíblica, ou doutrina do homem, conforme outros preferem chamar.

E obviamente, sempre que estudamos este assunto, um dos textos que costumamos ler é o referente aos dois primeiros capítulos de Gênesis.

Isto porque, um dos tópicos que estudamos diz respeito às peculiaridades da criação do ser humano, segundo o relato bíblico, entre eles, o fato de que o homem foi feito segundo “um tipo divino” (imagem e semelhança), bem como de que houve um tipo de “conselho” quando de sua criação (“façamos”), entre outras coisas (Gen 1.26).

E, sempre após ler e meditar sobre tais passagens, alguém sempre lança a pergunta se devemos ler os primeiros capítulos do livro de Gênesis literalmente.

Bom.

Particularmente, a luz do conhecimento que temos hoje, eu sou da opinião que não totalmente.

Se formos ler literalmente tal passagem, teremos que entender, à luz de Gênesis 1.7-8, que houve uma “separação” das águas de cima, com as águas que estavam “embaixo”. E que há um firmamento que segura as segura, como se fosse uma espécie de abóboda que impede que elas caiam. Este firmamento, ou expansão, foi chamado de céu, e quando chove, seria como se os céus fossem abertos.

Também se tomarmos literalmente o texto, teremos que entender que o sol e a lua, e as demais estrelas foram criados depois da terra, à luz de Genesis 1.16, o que à luz da ciência hoje não é possível.

Daí, vejo isso como uma narrativa muito mais poética do que fática acerca da criação do mundo.

Então, alguém sempre pergunta como interpretar o Gênesis; como entender o que é narrativa poética (mito) ou o que é verdadeiramente história.

Particularmente, entendo que a Escritura toda é inspirada, e que Deus falou àqueles homens no universo de pensamento que fazia parte da cultura de então. Daí, entendo que a Bíblia não é um livro de ciência natural, e sim um livro de Teologia (que “discursa” sobre Deus).

O que particularmente entendo que deve ser extraído do livro de Gênesis é a ideia básica de que, de algum modo, foi quebrada a amizade do ser humano em relação a Deus, e dos seres humanos em relação a si mesmos e aos outros, bem como uma queda sensível da biosfera terrestre, que é exatamente o quadro que vemos no mundo quando olhamos para ele nos dias de hoje. Neste sentido, os primeiros capítulos de Gênesis têm muito a dizer, não somente em relação ao homem do passado, mas sim em relação ao homem atual.

E a missão evangélica, não é nada mais nada menos que pregar a reconciliação entre os seres humanos e Deus, para consigo mesmos, uns com os outros, bem como com toda a natureza. Essa é a grande missão da igreja. A mensagem do evangelho.

Daí, os primeiros capítulos de Gênesis, em minha opinião, ensinarem uma verdade teológica, muito mais do que fática e científica.

Obviamente, há muita gente melhor do que eu que discorda, e que entende que todo o texto deve ser interpretado literalmente, e que tudo o que a ciência descobriu até hoje deve se amoldar ao que está no Gênesis. Tal postura é identificada hoje com o fundamentalismo teológico.

Outra postura é desprezar completamente o livro de Gênesis como coisa inútil, e aderir completamente à ciência. Penso que esta é mais a postura dos ateus, pois nem mesmo os teólogos liberais chegam a tanto.

Minha postura é evangélica (ou “evangelical”) que procura um constante diálogo entre tais visões diferentes de mundo, procurando extrair a verdade de todas elas. Não é minha intenção escandalizar nem aborrecer quem quer que seja, entretanto, há algumas causas de tropeço à fé que penso que podemos evitar. A interpretação radicalmente literal de Gênesis, para muitas pessoas, pode se converter em uma delas.

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