Marina Silva, protestantismo e estado laico


O vídeo acima foi postado em várias redes sociais e diz respeito à resposta de Marina Silva ao fato de se por em dúvida se ela seria uma ameaça ao estado laico pelo fato de ser evangélica.

Ela responde maravilhosamente bem ao questionamento, deixa clara sua posição em favor do Estado laico, e ainda fala um pouco sobre o preconceito que já sofreu pelo fato de ser evangélica.

Entretanto, precisamos meditar um pouco no que ela disse acerca da responsabilidade da Reforma Protestante para a criação da ideia de um estado laico. Penso que ela pode ter se equivocado um pouco neste aspecto, dependendo do que quis dizer.

Isto porque, se meu parco conhecimento de história estiver correto, o protestantismo não criou um estado laico. Criou, na verdade, o estado confessional. E colocou ainda a autoridade do estado acima da autoridade da igreja em questões temporais.

Foi assim na reforma luterana, na Alemanha e nos países escandinavos, foi assim na reforma anglicana, na Inglaterra, e foi assim entre os reformados, nos diversos locais de confissão calvinista.

O protestantismo sempre quis um estado protestante!

Na república calvinista de genebra, J. J. Rousseau foi condenado pelo fato de defender idéias praticamente agnósticas diante de um poder calvinista mais conservador.

Estados de governos protestantes executaram pessoas em nome da religião, pois eram estados confessionais.

Portanto, até onde eu conheço de história, o protestantismo não tinha no seu bojo de doutrinas algo parecido com a do estado laico.

Uma corrente da reforma pode ter contribuído um pouco mais para o desenvolvimento da separação entre o estado e a igreja, qual seja, a corrente radical, anabatista. Mas dentro desta corrente, temos que distinguir a linha pacifista, de Balthazar Hubmeier e Meno Simons, de outra apocalíptica, que queria a tomada do poder pelos camponeses (embora, muitos não aceitem que estes possam realmente ser chamados de anabatistas, o que eu concordo). Estes sim, os anabatistas, disseram que o estado e a igreja são coisas distintas, e que esta última era composta não pela conjunto total de cidadãos de um determinado país (conhecida como cristandade), mas sim de crentes que voluntariamente se reuniriam e igreja. Este foi também um dos motivos por rejeitarem o batismo infantil, que era uma espécie de entrada forçada na igreja e na sociedade.

Por conta destas idéias, os anabatistas foram duramente perseguidos, pois se tornaram uma ameaça tanto para católicos quanto para protestantes, que queriam que suas religiões fossem promovidas e asseguradas pelo Estado. Foi o grupo religioso mais perseguido e massacrado da história das religiões. Depois, eles se tornaram os menonitas, sendo que, mutos destes se tornaram em evangélicos denominacionais, e outros optaram por continuar a viver uma vida afastada da sociedade, em comunidade. Os menonitas influenciaram decididamente os batistas, e estes os pentecostais.

Então, havia sim, um grupo descendente da reforma, mas que a si mesmo não se considerava protestante (e nem os demais os consideravam protestantes) e que queriam, não um estado laico (sequer meditaram nisso, creio), mas sim uma igreja livre do estado.

Penso então que, se os reformadores originais contribuíram para que surgisse um estado laico, não foi diretamente, mas sim indiretamente. Em primeiro lugar, porque quebraram o monopólio político da igreja católica no ocidente, facilitando novas divergências. Em segundo lugar, porque possibilitou o surgimento de grupos religiosos que não queriam mais uma igreja presa ao estado. Em terceiro lugar, e isso acho muito importante, é que, ao introduzir a ideia do livre exame, creio eu, possibilitou muito paulatinamente o surgimento de pensadores, do período do renascentismo e iluminismo que, ai sim, pensaram com mais clareza a questão do estado laico. Mas vejam. Nem John Locke, um dos pilares do pensamento mais liberal quis dar liberdade de religião ao catolicismo. Nem Rousseau, patriarca dos esquerdistas, pensou em um estado sem uma religião civil, inclusive com a confissão de fé em um único Deus que todo cidadão deveria fazer, conforme escreveu em seu contrato social.

Questões históricas profundas fizeram com que um grupo radical da igreja da Inglaterra, os puritanos, por conta da perseguição religiosa que existia em seu país de origem, vieram ao continente americano para fundarem um "novo mundo", e interesses comerciais, dentre outros, fizeram com que rejeitassem a monarquia. E a rejeição à monarquia, associada ao republicanismo puritano, mais as idéias iluministas, mais a maçonaria, entre outras influências, fizeram que ali surgisse uma grande nação, que procurou, desde suas bases constitucionais, separar a igreja do estado, para garantir um melhor funcionamento de ambos. 

Concluo então dizendo que, diretamente, o Estado Laico não foi um plano dos reformadores originais, entretanto, que de forma indireta, a própria reforma, bem como a ideia de estado laico foram consequências de transformações muito mais profundas que estavam ocorrendo no ocidente, tanto em termos filosóficos quanto sociais, e, que se a reforma contribuiu para o surgimento do estado laico, foi de forma bastante indireta.

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