O conceito de propiciação em John Stott

 John Stott, ao comentar o versículo 2 do Capítulo 2 da epístola de João, menciona que o termo “propiciação” (do substantivo grego “hilasmos”) expressava no paganismo a ideia de oferta a uma divindade irada, quase que o pagamento de um suborno.

Assim sendo, diante da grosseria de tal ideia aplicada ao Deus das Escrituras Sagradas, muitos teólogos abandonaram a ideia de “propiciação” com o intuito de apaziguar uma divindade, e trocaram pela ideia de expiação, ou de purificação, no sentido de se livrar da culpa. Seria que como um ritual de purificação, porém, sem ter a Deus como objeto.

Entretanto, Stott ressalta que, embora se possa dar valor a tal interpretação, e que, mesmo não havendo uma ideia explícita de que Deus seja o objeto da propiciação, é muito clara no Novo Testamento a ideia da ira de divina. Logo, no mínimo, há a necessidade que tal ira seja afastada a fim de que haja perdão, e que efetivamente o foi pelo sacrifício de Cristo.

Logo, percebe-se que Stott não descarta totalmente a ideia de que em algum sentido, Deus precisa ser propiciado, e demonstra alguns motivos pelos quais não se pode confundir o conceito cristão de propiciação com o pagão.

Em primeiro lugar, ele diz que a ira de Deus não é arbitrária ou caprichosa. Ela se volta totalmente contra o mal, e não pode ser subornada por presentes.

Em segundo lugar, a iniciativa da propiciação parte do próprio Deus. Deus é a fonte e o objeto da propiciação. Ele, pelo Filho, realiza pelo amor a propiciação. Em nada o Filho foi relutante.

Em nota adicional ao seu comentário, em que relata o minucioso estudo linguístico elaborado por Leon Morris, Stott ressalta a necessidade de se manter um conceito tradicional de propiciação, não significando algo com o sentido somente de purificação, mas sim de tornar o outro, no caso Deus, propício.

Logo, teologicamente ressalta a necessidade da propiciação, no sentido de que, sim, o pecado é removido, mas sem deixar de considerar a ira divina que estava sobre o mal. “A necessidade da expiação  não se constitui somente da ira de Deus isoladamente, nem do pecado do homem isoladamente, mas de ambos juntos” (aqui, eu vejo a habilidade de Stott em sempre harmonizar ideias que muitas vezes são colocadas em antagonismo.

Além disso, ressalta que a natureza da expiação é o próprio Cristo. “Ele próprio é a oferta propiciatória e o sacerdote”.  Anteriormente Stott havia colocado a questão de “em que sentido” Jesus seria a propiciação pelos nossos pecados, e admite que o versículo em si (1 João 2.2) não faz menção direta, mas que a epístola já apontara para ideia de perdão (1.9) e purificação pelo sangue (1.7) que deriva diretamente da ideia de sacrifício levítico.

Enfim, ressalta que a origem da expiação é o próprio Deus, o que já apontava para o Antigo Testamento, sendo o próprio Deus que havia proporcionado um meio para que a expiação se realizasse (Lv 17.11), do mesmo modo que foi o Pai que deu o Filho, sem resistência deste, mas de livre vontade também se entregou, não se tratando portanto de alguém apaziguando uma divindade irada, mas do próprio Deus realizando os atos necessários para tanto. “É um apaziguamento da ira de Deus pelo amor de Deus, mediante da dádiva de Deus”. Cuida-se, portanto, da dádiva de si mesmo.

(maiores detalhes você pode ler em 1, 2 e 3 João. Introdução e Comentário. Série Cultura Bíblica. Editora Vida Nova).

A cruz de Jesus Cristo ou a sua cruz? – Biblia.com.br
Fonte da imagem: biblia.com.br

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